Fonte: Revista ANFAC
Por Rodrigo Carneiro Maia Bandieri e Leonardo Calegari
Uma empresa de factoring celebra um contrato aparentemente atrativo. O cliente cumpre os pagamentos iniciais pontualmente, os números apresentados parecem sólidos e as garantias estão formalizadas, algumas até mesmo em documentos públicos. Os adiantamentos de recebíveis vão aumentando, até que, de repente, o cliente desaparece.
Paralelamente, sobrevém um pedido de recuperação judicial por parte do devedor um tanto quanto duvidoso se comparado aos balanços patrimoniais dos anos anteriores. Aos credores, restam títulos e recebíveis sem lastro, contratos fraudulentos e um prejuízo devastador.
O cenário exposto retrata um típico exemplo de fraude, também denominada no ordenamento norte-americano de bustout. Nela, o devedor intencionalmente ganha a confiança de seus credores por determinado período para obter vultosa quantia a crédito sem pagamento imediato. Após, em clara predisposição criminosa, ingressa com processo de recuperação judicial para forçar a concessão de maiores prazos de pagamento, eventuais acordos para não pagar juros ou abatimento de valores.
A depender do caso concreto, tais fatos podem configurar crimes previstos no Código Penal, como estelionato (art. 171) e falsidade documental (art. 296 e seguintes), além de fraude a credores, tipificada no art. 168 da Lei 11.101/2005.
O bustout é uma das fraudes mais corriqueiras que afetam o setor mercantil. Esse golpe envolve a criação ou aquisição de empresas que, inicialmente, constroem um histórico de confiabilidade ao cumprir fielmente suas obrigações iniciais. No entanto, trata-se de uma estratégia para ocultar a verdadeira intenção: mais tarde contrair grandes volumes de crédito ou antecipações de recebíveis baseados em contratos ou títulos fictícios. Quando o esquema é descoberto, os responsáveis já adotaram medidas para tentar ocultar seus bens, deixando prejuízos financeiros significativos e danos à credibilidade do mercado.
Daí o motivo pelo qual o enfrentamento desse tipo de fraude demanda uma abordagem articulada entre medidas preventivas e repressivas. Além da implementação de práticas robustas de due diligence e do monitoramento contínuo de operações, a resposta na esfera criminal tem se mostrado indispensável para desarticular a estrutura intrincada desses conglomerados fraudulentos e recuperar os prejuízos sofridos.
Na esfera criminal, há instrumentos importantes para combater e reverter os danos causados por fraudes como o bustout. As cautelares assecuratórias, previstas nos artigos 125 e seguintes do Código de Processo Penal, são ferramentas cruciais para garantir a preservação de bens e valores obtidos de forma ilícita. Entre essas medidas estão o sequestro, que permite a indisponibilidade de bens adquiridos com os proventos do crime, e o arresto, que alcança bens penhoráveis para assegurar o ressarcimento de prejuízos.
Para situações em que os criminosos frequentemente ocultam recursos por meio de estruturas empresariais complexas, compostas por empresas de fachada e “laranjas”, a atuação criminal pode ser decisiva ao desestruturar a rede de proteção criada para blindar os responsáveis diretos e indiretos.
Entre as ferramentas investigativas mais eficazes estão a quebra do sigilo bancário e fiscal (art. 1, § 4º, da LC 105/2001), tanto das empresas diretamente envolvidas quanto de seus sócios e administradores, cuja medida permite rastrear operações financeiras, identificar transferências suspeitas e localizar ativos ocultos, que muitas vezes estão registrados em nome de terceiros para dificultar o rastreamento.
A atuação criminal, portanto, não se limita à punição dos responsáveis, mas busca também assegurar que os danos causados sejam minimizados. Por meio de medidas como o confisco de bens e o bloqueio de contas bancárias, é possível não apenas desarticular a organização criminosa, mas também recuperar valores para as empresas vítimas.