Por Rafaela Azevedo de Otero
A interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior tem sido tema recorrente de autuações por parte da Receita Federal do Brasil (RFB) e vem ganhando importância em razão do aumento de ações penais por crimes relacionados a ela.
Para explicarmos, é necessário fazer um breve esclarecimento sobre o comércio exterior e as modalidades de importação.
A abertura comercial do Brasil teve início na década de 1990, quando a combinação entre os fluxos de comércio e de capitais resultou em medidas voltadas à internacionalização da economia, como por exemplo, a redução das tarifas de importação e a reestruturação de incentivos ligados à exportação.
Do ponto de vista da legislação doméstica vigente à época, a operação de importação somente poderia ser feita pelo próprio importador (o que hoje é conhecido como importação na modalidade “direta”).
Ocorre que, as constantes mudanças nas relações econômicas resultantes do processo intenso de globalização trouxeram consigo impactos positivos e negativos à sociedade. Entre as consequências negativas, verificou-se a utilização do comércio internacional como meio para a prática de ilícitos, como, por exemplo, a evasão de divisas ao exterior, lavagem de capitais, além da proliferação de empresas de fachada para a estruturação de operações simuladas que fugiam do controle aduaneiro dos Estados envolvidos.
Para coibir as irregularidades na importação, foi implementado o Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) com o qual o Estado Brasileiro passou a aprimorar o controle sobre as operações de comércio exterior, em sistema informatizado que concentrava todas as informações sobre tais operações.
Paralelamente ao incremento dos ilícitos nas operações de comércio exterior, nos anos 2000 via-se a implementação dos chamados planejamentos tributários que diminuíam a arrecadação de tributos sobre essas operações. Isso porque, quando apenas era prevista a importação direta, a legislação tributária passou a equiparar o importador industrial a estabelecimento industrial para fins de incidência do IPI.
Com o objetivo de “quebrar” a cadeia de IPI, diversas empresas passaram a valer-se de terceiros que agiam como importadores das mercadorias. Nesses casos, as empresas interessadas na venda de mercadorias importadas atuavam como meros distribuidores e não eram equiparados a estabelecimento industrial, não se sujeitando ao IPI. Além disso, a criação de incentivos fiscais relacionados ao ICMS, como era o caso Estado do Espírito Santo, também prejudicava os demais Estados, eis que a importação com desembaraço aduaneiro naquele Estado era beneficiada pelo diferimento do ICMS para o momento da saída da mercadoria do estabelecimento importador.
Por causa destes incentivos, as chamadas trading companies passaram a atuar no Estado, agindo como prestadoras de serviço na realização de importações beneficiadas pelos incentivos fiscais. Contudo, tal estruturação estava à margem da legislação aduaneira, que apenas previa a importação direita.
Neste contexto, visando incrementar o controle das operações de comércio exterior e a fim de adaptar a legislação aduaneira às novas estruturas de planejamento tributário, a RFB criou a chamada importação por conta e ordem de terceiros, nos termos do artigo 80, inciso I da MP n° 2158/2001, posteriormente revogado pela Instrução Normativa n° 225/2002¹.
Na mesma época, foi publicada a Lei n° 10.637/2002, que em seu artigo 27 prevê que a operação de comércio exterior realizada mediante recursos de terceiro presume-se por conta e ordem deste. Esta mesma lei também passou a prever o ilícito objeto deste artigo, a ocultação de terceiros nas operações de comércio exterior, inclusive nos casos de interposição fraudulenta de terceiros,posteriormente regulado pelo artigo 23, inciso V e §§ 1 a 4° do Decreto-Lei n° 1455/1976.
Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.
§ 1° O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
§ 2° Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.
§ 3° As infrações previstas no caput serão punidas com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, na importação, ou ao preço constante da respectiva nota fiscal ou documento equivalente, na exportação, quando a mercadoria não for localizada, ou tiver sido consumida ou revendida, observados o rito e as competências estabelecidos no Decreto n o 70.235, de 6 de março de 1972.
§ 4° O disposto no § 3° não impede a apreensão da mercadoria nos casos previstos no inciso I ou quando for proibida sua importação, consumo ou circulação no território nacional.
Além disso, a fim de coibir a presunção da interposição fraudulenta do § 2° do inciso V do artigo supratranscrito, o artigo 60 da Lei n° 10.637/2002 instituiu a penalidade de inaptidão do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, a quem não comprove a origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados. Tal medida tem sido utilizada pela Receita Federal indiscriminadamente, atingindo muitas empresas lícitas que são consideradas como laranja sem justificativas suficientes.
Dando sequência aos esforços no combate à fraude das operações de comércio exterior, resultando em uma segunda modalidade de importação, qual seja, a importação por conta e ordem de terceiros.
Assim, ou a empresa realizava a importação para si própria (importação direta) ou contratava um terceiro, prestador de serviço, para lidar com os trâmites aduaneiros de importação que seria financiada pelo próprio adquirente da mercadoria.
Posteriormente, mais uma modalidade de importação foi criada, a chamada “importação por encomenda”, definida pela Lei n° 11281/2006, que, em síntese, é aquela em que o importador adquire, com seus próprios recursos, a propriedade da mercadoria importada, que, uma vez nacionalizada, são revendidas ao encomendante predeterminado.