Por Rafaela Azevedo de Otero
Uma vez fixadas as premissas a respeito das diferentes modalidades de importação, passaremos à análise da infração conhecida como “interposição fraudulenta de terceiros” e suas implicações criminais.
Como já mencionado, a criação da infração de interposição fraudulenta, ocorreu para prevenir e combater as fraudes. De acordo com o artigo 1° da Portaria MF n° 350/2002, a RFB e o Banco Central do Brasil devem estabelecer procedimentos especiais de controle das operações de comércio exterior, “com vistas a coibir a ação fraudulenta de interpostas pessoas, como meio de dificultar a origem dos recursos aplicados ou dos responsáveis por infrações contra os sistemas tributários e financeiros nacionais” e que se as empresas que se sujeitarão ao procedimento especial de controle são aquelas em que há indícios de “incompatibilidade entre a capacidade econômica e financeira apresentada e os valores transacionados nas operações internacionais”.
Especificamente em relação à interposição fraudulenta de terceiros, considera-se como indícios de irregularidade a incompatibilidade entre as operações e as instalações físicas, capacidade operacional, patrimônio e capacidade econômico-financeira do importador, ausência de histórico de operações; opção por despacho aduaneiro em localidade menos vantajosa ao interveniente, considerando, por exemplo, questões logísticas.
Na teoria, busca-se combater o anonimato, a lavagem de capitais e as organizações criminosas. Porém, na prática, a RFB tem utilizado tal procedimento em situações sem que exista o mínimo indício de fraude ou incompatibilidade financeira, sujeitando empresas ao perdimento de mercadorias ou a multas no valor total das mercadorias, além de inabilitar várias pequenas empresas.
Em um mundo globalizado e pós-pandêmico em que os espaços físicos são compartilhados somado as facilidades para regularização das empresas informais, tem-se várias empresas lícitas consideradas como inaptas e seus dirigentes sendo processados criminalmente por serem considerados “laranjas”.
Já em relação a origem dos recursos, também se estabeleceu uma caça contra a economia informal e aos comércios populares e na impossibilidade de se punir os adquirentes, são instaurados inquéritos policial e ações penais contra os importadores, considerando os como interpostas pessoas e muitas vezes, como parte de organizações criminosas.
Sob o argumento de que estão sendo ocultados os verdadeiros adquirentes, justifica-se as acusações com base em supostas fraudes nos depósitos em cheques e pagamento de boletos sem identificação, para alegar que existe esquemas de fraude e sem qualquer prova, que envolveria organizações criminosas que detém CNPJ, contas bancárias e laranjas para circular os valores e dificultar o rastreio, o que configuraria lavagem de dinheiro.
No entanto, na maioria dos casos não há provas de crimes antecedentes nem de relacionamentos com tais organizações (na verdade nem indicação de que organizações seriam estas) mas apenas ilações, uma vez que sabem que os valores em sua maioria são originados de Regiões Populares como o Brás, Pari e 25 de março.
Se antigamente as denúncias das infrações de interposição fraudulenta eram feitas por falsidade ideológica, independentemente de a falsidade gerar rendimentos ou danos ao erário, a tendência atual é incluir a lavagem de capitais, mantendo a falsidade ideológica como crime antecedente, mesmo que tal crime não traga proveitos econômicos aos envolvidos e consequentemente, inexistindo valores a serem lavados.
O que se esquece é que se as presunções são “suficientes” para a abertura de procedimentos administrativos e até mesmo, representações fiscais para fins penais, não são admissíveis para fundamentar uma denúncia criminal e inevitavelmente tais ações penais serão consideradas ineptas.
É preciso que aqueles que se vejam envolvidos em inquéritos e ações penais com base em fundamentos inequívocos e sem prova procurem advogados especializados na área e com isso, não permitam a continuidades destas práticas que ameaça tanto os grandes importadores, os adquirentes de mercadorias importados e até mesmo, os pequenos empresários que muitas vezes se valem do comércio informal para seu sustento.