Por Leonardo Calegari
A proposta do Projeto de Lei nº 4909/2024, de autoria do Senador Eduardo Braga (MDB/AM), insere-se em um movimento de progressiva criminalização de condutas econômicas no Brasil. Sob a justificativa de fortalecer a proteção dos segredos de negócio, a proposta pretende acrescentar o Capítulo I-A no Título V da Lei nº 9.279/1996, denominado “dos crimes contra o segredo de negócio”:
Art. 186-A. Divulgar ou repassar a terceiro segredo de negócio, com violação de cláusula de confidencialidade ou de dever de lealdade:
Pena – detenção, de 3 meses a um ano, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incidem o dirigente da empresa que faz uso do segredo de negócio indevidamente obtido ou adquirido.
§ 2º Considera-se segredo de negócio qualquer informação valiosa para uma empresa, mantida em sigilo, da qual resulte vantagem comparativa, podendo compreender estudo, fórmula, estratégia, inovação, conhecimento, tecnologia ou modelo de negócio.”
O tema não é novo. A legislação brasileira já tutela, em diferentes dimensões, a confidencialidade de informações estratégicas no setor empresarial. A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), por exemplo, em seu artigo 195, criminaliza a concorrência desleal, incluindo o uso indevido de dados sigilosos obtidos por relação contratual ou empregatícia. O artigo 154 do Código Penal também pune a violação de segredo profissional, abrangendo informações adquiridas no exercício de determinada função.
Portanto, o ponto central não reside na necessidade de proteção, mas na pertinência da criação de um novo tipo penal, e seus reflexos no equilíbrio entre segurança jurídica e expansão do Direito Penal.
Isso porque a concorrência desleal, como visto, já é criminalizada pelo artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial, que prevê pena de três meses a um ano de detenção para quem divulga, explora ou utiliza informações confidenciais adquiridas mediante vínculo empregatício ou contratual.
O Código Penal, por sua vez, no artigo 154, tipifica a violação de segredos profissionais, punindo com detenção de três meses a um ano o ato de revelar, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Ainda que sua redação remeta a contextos específicos, não há obstáculo hermenêutico que impeça sua aplicação a sigilos comerciais e industriais.
Com efeito, o que o PL 4909/2024 propõe é fragmentar ainda mais a legislação penal, criando um tipo penal para situações já contempladas por normas vigentes. A proposta, em vez de aprimorar a proteção ao sigilo empresarial, pode gerar sobreposição normativa e insegurança jurídica, ao tipificar um novo crime sem critérios claros de distinção em relação às infrações já tipificadas.
IMPACTOS PARA O SETOR EMPRESARIAL
A proteção aos segredos industriais e comerciais é fundamental para incentivar a inovação e garantir competitividade, mas deve ocorrer dentro de um marco legal racional e eficiente.
Porém, a legislação atual já oferece instrumentos de proteção e sanção para casos de vazamento de informações estratégicas, motivo pelo qual o desafio não está na ausência de normas, mas na efetividade de sua aplicação.
Daí porque o fortalecimento de mecanismos processuais e investigativos, aliado ao aprimoramento da legislação existente, seria mais eficaz do que a criação de um novo tipo penal de contornos difusos e de aplicação incerta.
Assim, o PL 4909/2024 representa mais um capítulo da expansão do Direito Penal, sem que haja justificativa prática para a criação de um novo crime. A violação de segredo de negócio já encontra respaldo na legislação vigente, e a nova tipificação penal não traz avanço significativo na proteção das informações sigilosas, mas sim risco de fragmentação normativa e controvérsias quanto a subsunção de fatos aos tipos penais.
A legislação sobre sigilos empresariais deve priorizar reformas, que fortaleçam a segurança jurídica sem recorrer à multiplicação de tipos penais, bastando a adequação literal de tipos penais já em vigor.