24
jul
2024

Responsabilidade Penal Corporativa: O que acontece após a incorporação quando a empresa foi condenada por crime ambiental?

A responsabilidade penal de uma empresa é um tema que gera profundas discussões no âmbito jurídico, principalmente quando consideramos os efeitos de operações corporativas como a incorporação. Contrariamente ao que ocorre no âmbito civil, obrigações e direitos podem ser transferidos entre entidades legais. No direito penal, por outro lado, a responsabilidade penal é intrinsecamente ligada à matéria ambiental.

A empresa que cometeu o ato ilícito ambiental não transfere as mazelas da condenação automaticamente por meio de processos de fusão ou incorporação. Isso significa que, caso uma empresa condenada por crime ambiental seja incorporada por outra, a responsabilidade decorrente da condenação penal não será automaticamente transferida.

Afinal, a Constituição Federal prevê tal princípio em seu Art. 5º, XLVI – “a lei regulará a individualização da pena”, que tem como corolário a impossibilidade de transferência das obrigações penais para outrem. O Código Penal concretizou esse princípio em seu Art. 29, no qual prevê a aplicação da pena de acordo com a culpabilidade de cada agente. Assim, a transferência (ou comunicação) da culpabilidade é impossível no processo empresarial de incorporação ou fusão, devendo recair somente sobre empresa incorporada.

Um exemplo desse entendimento aplicado na prática foi o julgamento do Recurso Especial n° 1.977.172. Nele, a recorrente Jandelle S.A foi incorporada por outra empresa, e assim, deixou de existir de fato, levantando a questão: a empresa incorporadora herdaria as responsabilidades penais obtidas pela empresa incorporada? Pois bem, o Ministro Relator Ribeiro Dantas entendeu que não, aplicando o artigo 107, I do Código Penal, o qual confere a extinção da punibilidade ao agente em razão de sua morte. Vejamos:

“4. O princípio da intranscendência da pena, previsto no art. 5º, XLV, da CR/1988, tem aplicação às pessoas jurídicas. Afinal, se o direito penal brasileiro optou por permitir a responsabilização criminal dos entes coletivos, mesmo com suas peculiaridades decorrentes da ausência de um corpo biológico, não pode negar-lhes a aplicação de garantias fundamentais utilizando-se dessas mesmas peculiaridades como argumento (…)”

“De todo modo, para além da discussão quanto ao princípio da intranscendência, permanece a conclusão de inexistência de lei autorizadora da transferência da responsabilidade penal à pessoa jurídica incorporadora. Em outras palavras, mesmo que o art. 5º, XLV, da CR/1988 fosse inaplicável às pessoas jurídicas, ainda assim não seria possível responsabilizar criminalmente SEARA ALIMENTOS LTDA. pelos atos da sociedade empresária incorporadora, tendo em vista a absoluta ausência de norma legal nesse sentido.”

Assim, a incorporação de empresas, portanto, exige uma análise detalhada e um planejamento cuidadoso, não apenas em termos de estratégia e finanças, mas também do ponto de vista legal penal. Assessoria jurídica qualificada se torna indispensável para navegar por essas águas complexas, garantindo que a integridade legal seja mantida durante todo o processo de reestruturação corporativa.

Bibliografia

Superior Tribunal de Justiça. AGRÍCOLA JANDELLE S/A. Recurso Especial n° 1.977.172. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202103792243&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 23 jul. 2024.

NETTO, Almiro. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2018. P. 195

SILVA, Renan. Incorporação empresarial e a extinção da punibilidade.