05
set
2024

Responsabilidade Penal de Dirigentes de Empresas: Um Guia Essencial

A responsabilidade penal de dirigentes de empresas é um tema de crescente importância no cenário jurídico atual. Em um ambiente onde questões éticas e de conformidade ganham cada vez mais relevância, a legislação brasileira tem evoluído para assegurar que dirigentes de empresas sejam responsabilizados por atos criminosos cometidos no âmbito corporativo, refletindo uma tendência global de maior rigor na fiscalização e punição de práticas empresariais criminosas. Aprender as medidas necessárias para evitar inquéritos e ações penais é relevante para qualquer governança prudente empresarial. Para isso, há medidas de compliance e jurídicas eficientes, que só precisam dos métodos corretos e acompanhamento diligente para surtirem bons efeitos.

O que é a Responsabilidade Penal de Dirigentes?

A responsabilidade penal de dirigentes pelo Poder Judiciário geralmente é antecedida de uma investigação policial, que pode coletar elementos de prova suficientes para processar criminalmente o dirigente de uma empresa, caso haja indício de participação, coordenação e cometimento de crime durante o exercício de suas funções. Assim, a fase inquisitorial tem os objetivos de (i) buscar fato oculto, para identificação de evidências de cometimento de crime para justificação de posterior acusação ou arquivamento; e (ii) realização do filtro processual para evitar acusações despidas de lastro probatório [LOPES JR., 2022][1].

Ter um profissional do direito acompanhando esse processo é fulcral para garantir os direitos do investigado, bem como o sigilo do processo e imagem da empresa. Nessa fase, já é possível evitar uma posterior ação penal, provando nos autos que o dirigente se enquadraria em alguma das hipóteses concebidas pelo artigo 396 do Código de Processo Penal para absolvição, ou demonstrando que não há justa causa para deflagração de ação penal (CPP, Art. 395, III), que geralmente ocorre com a demonstração de inexistência de indícios mínimos de autoria e materialidade de cometimento do crime pelo dirigente.

Sabe-se que diversas empresas se amparam na confiança do consumidor e dos fornecedores para continuar suas atividades. Ramos de serviços, como transporte, mercado financeiro e atividade bancária precisam garantir a reputação de seus dirigentes para os clientes se sintam confortáveis em confiar informações e bens valiosos à empresa. Para tanto, um advogado pode postular o interesse da empresa em ver os dirigentes excluídos da investigação com a maior celeridade possível, quando há alegações infundadas. O Mestre Doutrinador Mestre Aury Lopes Jr., por exemplo, reconhece que é necessário analisar o processo penal à luz dos custos do processo:

“o processo penal é uma pena em si mesmo, pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar, pois é gerador de estigmatização social e jurídica (etiquetamento) e sofrimento psíquico. Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti.”[2]

Esse também é o entendimento da boa jurisprudência Brasileira:

“O controle de admissibilidade da pretensão acusatória, embora não se realize em uma cognição exauriente, deve verificar a existência de elementos suficientes de materialidade e autoria. Assim, igualmente o início e a manutenção de uma investigação deve possuir embasamento mínimo que legitime tal ingerência. A persecução penal representa um gravame considerável em sua mera tramitação, de modo que a sua abertura deve ser razoavelmente justificada. (…) A pendência de investigação por prazo irrazoável, sem amparo em suspeita contundente, ofende o direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). (…)”[3]

A fase posterior ao inquérito policial é a ação penal. El pode ser iniciada mediante recebimento de denúncia formulada pelo Ministério Público pelo Judiciário, nos casos de crimes de ação pública, ou oferecimento de queixa por um particular, nos casos de ações privadas e ações públicas condicionadas à representação. Nessa fase, já é obrigatória por Lei a atuação de um profissional de direito, que poderá contestar em juízo, inclusive, se há evidências de cometimento de crime pelo dirigente da empresa para manter a persecução penal.

A atuação continua durante a instrução probatória e eventuais recursos interpostos para resguardo dos direitos do acusado. Ao final, se o diretor da empresa for condenado pelo crime, esgotados os recursos cabíveis para revisão desse entendimento, o dirigente poderá sofrer aplicação de pena por sua atividade corporativa criminosa, por exemplo, tratando-se de crimes financeiros, contábeis, tributários, ambientais, corrupção e até mesmo contra a honra.

Bases Jurídicas e Elementos Constitutivos – possibilidade de aplicação da teoria do domínio de fato

A responsabilidade penal dos dirigentes, portanto, não é automática. Ela deve ser devidamente comprovada no curso do processo. Para tanto, deve restar comprovada, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, durante a ação penal, a participação do dirigente na atividade criminosa, além da intenção de cometê-la.

Conforme o artigo 29 do Código Penal Brasileiro, a responsabilidade penal é atribuída quando se prova que o dirigente agiu com intenção de cometer o crime ou foi negligente a ponto de permitir a ocorrência do ato ilícito. É necessário, portanto, demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta do dirigente e o resultado criminoso.

Tratando-se de dirigentes, em posição de delegar, há que se atentar para a possibilidade da aplicação da teoria de domínio de fato. Ela atribui responsabilidade penal àquele dirigente que, embora não tenha diretamente praticado o ato criminoso, exerceu controle sobre a realização do crime, comandando ou influenciando sua execução. No âmbito empresarial, esse modo de operar crimes liga-se a duas hipóteses principais, esmiuçadas por Claus Roxin, um dos percursores da teoria: (i) o domínio da vontade de outrem (ROXIN, 2000, p. 166-167), situação na qual o dirigente não pratica o crime com suas próprias mãos, mas influencia outro sujeito, por erro ou coação, a agir criminosamente para atingir seus objetivos; e (ii) domínio funcional do fato (ROXIN, 2000, p. 307-398), que é a divisão das tarefas necessárias para consumar um ou mais crimes. Nessa situação, todos são coautores.

O enquadramento da conduta do dirigente em uma dessas hipóteses dependerá do seu modo de instrumentalizar o aparato da empresa para causar o resultado antijurídico que pretende. Essa organização promovida pelo dirigente pode ser pontual, influenciando somente um colaborador nua praticar um crime pontual, por exemplo, ou mais articulada, quando se tratar de pesada instrumentalização do aparato empresarial- como seria o caso do domínio funcional.

Em qualquer dos casos, ainda é necessário provar o dolo, além do nexo de causalidade entre a influência do dirigente e o cometimento dos crimes por seus comparsas ou subordinados. Por isso, o defensor da empresa e do dirigente deve assegurar que a teoria do domínio do fato não seja utilizada pela acusação para mascarar a falta de provas disponíveis no processo, ou seja,, que impediriam a condenação do réu sem a evocação da teoria. Esta abordagem deve ser mero instrumento de descrição da dinâmica dos crimes, se subsumindo igualmente ao princípio da legalidade.

Crimes Comuns Envolvendo Dirigentes de Empresa

Os crimes mais frequentemente associados a dirigentes de empresas incluem:

Fraude Contábil: Manipulação de dados financeiros para enganar investidores e reguladores, como, por exemplo, tipificado na Lei nº 9.613/1998.

Corrupção Ativa e Passiva: Envolvimento em esquemas de suborno para obter vantagens indevidas, conforme dispõe o artigo 333 do Código Penal.

Crimes Ambientais: Descumprimento de normas ambientais, resultando em danos ao meio ambiente, como aqueles previstos na Lei nº 9.605/1998.

Lavagem de Dinheiro: Uso de operações financeiras complexas para ocultar a origem de recursos ilícitos, conforme a Lei nº 9.613/1998.

Medidas Preventivas e Boas Práticas

Para evitar a responsabilidade penal, empresas e seus dirigentes devem adotar uma série de medidas preventivas, tais como:

Implementação de um Programa de Compliance: Desenvolvimento de um robusto programa de compliance que contemple todas as áreas de risco: tratamento com os clientes e fornecedores, segurança e proteção dos dados dos clientes, convivência entre os colaboradores, segurança cibernética, transparência fiscal e contábil, efetuação de pagamentos, entre muitos outros.

Treinamento Contínuo: Realização de treinamentos periódicos para funcionários e dirigentes sobre práticas legais e éticas. A atuação conjunta do corpo de colaboradores é a forma mais eficiente de instituir uma governança preventiva das atividades empresariais, pois os colaboradores verificarão suas práticas mutuamente, por meio de seus próprios núcleos de trabalho, uma vez treinados para mitigar os riscos mais importantes de serem prevenidos.

Monitoramento Constante: Implementação de sistemas para monitoramento contínuo das operações financeiras e comerciais, visando detectar e prevenir irregularidades; revisão do processo de lançamentos tributários e pagamento de impostos; monitoramento das comunicações da empresa, na medida do possível.

Revisão e Auditoria: Realização de revisões periódicas de procedimentos internos e auditorias (preferencialmente externas) para assegurar a conformidade dos dirigentes e seus subordinados diretos com as leis e regulamentos aplicáveis.

No caso de empresas de grande porte, mesmo que dirigentes não tenham contato com a execução de muitos processos, ainda é possível que se deflagrem investigações em face deles, pois a Polícia Civil, não sabendo das atribuições dos dirigentes, voltará suas atenções para a governança da empresa. Neste contexto, práticas de compliance eficientes reduzem o risco de alegações infundadas e minimizam as “lacunas” que podem levar a investigações e processos infundados.

Por fim, responsabilidade penal dos dirigentes de empresas exige uma abordagem proativa e profilática, visando garantir a integridade de seus negócios e integrantes. Adotar boas práticas preventivas e treinar seu pessoal para lidar com situações de risco é essencial para minimizar riscos e promover um ambiente corporativo ético e transparente. A presença de um profissional do direito com experiência na orientação e defesa dos clientes é um ativo valioso, capaz de aplicar projetos de compliance que reduzam as possibilidades de práticas criminosas, aumentam a transparência empresarial e evitam o nascimento de processos penais em face de seus dirigentes.

Bibliografia

[1] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. (p. 138)

2 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. (p. 251)

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Dispõe sobre os crimes e penas. Diário Oficial da União: Brasília, 10 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L2848compilado.htm. Acesso em: 3 set. 2024.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Dispõe sobre o processo penal. Diário Oficial da União: Brasília, 4 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 3 set. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Diário Oficial da União: Brasília, 13 fev. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 3 set. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos e valores. Diário Oficial da União: Brasília, 4 mar. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 3 set. 2024.

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição n. 8186. Processo eletrônico público criminal. Número único: 0022361-58.2019.1.00.0000. Relator: Min. Edson Fachin. Redator do acórdão: Min. Gilmar Mendes. Origem: DF – Distrito Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5693030. Acesso em: 03 de setembro de 2024.

ROXIN. Claus. Autoría y dominio del hecho em derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2000.