03
jun
2025

Suspensão do CAR e os desdobramentos da ADPF 743 – parte 2

Dando continuidade à análise da ADPF 743, esta segunda parte do texto aborda os possíveis desdobramentos penais decorrentes da suspensão do CAR com base em alertas de monitoramento remoto, além das implicações jurídicas associadas à utilização desses dados em processos investigativos.

Refletindo sobre essa movimentação judicial ampla, o pedido dos partidos REDE e PSOL pode, à primeira vista, não ter base legal e demandar criação legislativa pelo Congresso Nacional, mas definitivamente promoveu uma mobilização massiva em torno do tema, que pode ser positivo para promover a proteção ambiental, jogar luz sobre o tema, mas também representa uma insegurança jurídica pairando sobre a matéria ambiental, que deve ser resolvida o mais rápido quanto possível, sob pena de perpetuar essa dúvida jurídica e, inclusive, suscitar medidas de precaução onerosas aos proprietários rurais.

Ademais, cumpre destacar que a suspensão automática do CAR com base apenas em alertas dos sistemas PRODES e DETER não se limita a gerar consequências administrativas: pode também ensejar desdobramentos no âmbito penal.

O desmatamento não autorizado, especialmente quando praticado em áreas de preservação permanente, unidades de conservação ou reservas legais, é tipificado como crime ambiental, conforme dispõem diversos artigos da seção II do Capítulo V da Lei de Crimes Ambientais – seção destinada à previsão dos crimes contra a flora.

Nesse cenário, a atribuição de maior confiabilidade às imagens de satélite não verificadas do PRODES e DETER para fins de suspensão do CAR pode caracterizar precedente indevido para a instauração de Inquéritos Policiais baseados em provas frágeis, ainda que sem prévia análise técnica ou contraditório, convertendo-se em criador de investigações sem justa causa – o que é manifestamente ilegal.

Afinal, conforme denunciado por diversos atores na ADPF, tais dados não são suficientes para garantir o standard probatório para ensejar sanções administrativas. A situação se agrava quando um processo administrativo como o Inquérito Policial, é instaurado baseado em provas frágeis. Afinal, o Inquérito Policial já caracteriza uma sanção em si mesmo ao investigado, pois pode desencadear uma ação penal que lhe imponha medidas restritivas de direitos e restrições à liberdade, sem olvidar seu caráter estigmatizador (LOPES, 2022).

É importante lembrar, inclusive, que o Direito Penal ambiental tem caráter subsidiário e fragmentário. Em regra, a atuação repressiva penal deve ser acionada apenas quando os mecanismos administrativos se mostrarem insuficientes para proteger o bem jurídico tutelado — o meio ambiente. Contudo, o que se verifica no direito criminal ambiental é uma hipertrofia do sistema penal, com criminalização excessiva de condutas que reproduzem meramente infrações administrativas, sem a devida ponderação sobre a necessidade e adequação da sanção penal.

Essa inflação penal é ainda mais preocupante no campo ambiental, onde o princípio da legalidade é tensionado por normas abertas e por interpretações que, muitas vezes, ampliam o alcance típico das condutas descritas.

A independência entre as esferas administrativa, cível e penal agrava o cenário: mesmo que o produtor ou proprietário obtenha êxito em um processo administrativo, ainda poderá responder criminalmente com base nos mesmos fatos, caso não haja atuação jurídica articulada e preventiva.

A ADPF 743, portanto, evidencia a tensão entre a necessidade de frear o desmatamento e a segurança jurídica exigida para a regularização ambiental. A construção de um procedimento cautelar equilibrado é essencial para garantir, simultaneamente, a efetividade da proteção florestal e o respeito aos direitos dos produtores.

Por fim, nesse cenário, torna-se essencial contar com uma assessoria jurídica especializada que atue não apenas de forma reativa, mas preventiva. A análise periódica dos dados dos sistemas de monitoramento, o mapeamento de riscos, a construção de teses defensivas ancoradas em dados técnicos e a impugnação tempestiva de autos de infração e procedimentos investigatórios são medidas imprescindíveis para mitigar os efeitos de uma política pública que, embora legítima em sua finalidade ambiental, pode ser desvirtuada por instrumentos de fiscalização imprecisos ou aplicados sem critérios técnicos consistentes.