Na última quarta-feira (03), os Desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJRS julgaram os recursos de apelação interpostos pelos réus Elissandro Spohr, Mauro Hoffman, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, do caso do incêndio na Boate Kiss, que teve enorme repercussão em janeiro de 2013, época da tragédia.
Na ocasião, foi reconhecida a nulidade do júri ocorrido em dezembro de 2021 pelo Tribunal do Júri de Porto Alegre e presidido pelo Juiz Orlando Faccini Neto, que havia condenado os quatro réus por homicídio qualificado.
Ao julgar os recursos, o desembargador relator Manuel José Martinez Lucas desconsiderou todos os 19 pedidos de nulidade apresentados pelas defesas. No entanto, contrariando o voto do relator, os desembargadores José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto reconheceram algumas das nulidades apontadas.
A nulidade mais mencionada foi referente à quantidade de sorteios realizados para a escolha dos jurados. Isso porque, foram três sorteios, sendo que o último ocorreu faltando quatro dias uteis para o julgamento, violando assim, o artigo 433, § 1º, do CPP, que dispõe que a realização do sorteio deve ocorrer em no máximo 10 dias uteis antes ao julgamento.
Assim, os desembargadores foram acertados ao reconhecerem esta nulidade, visto o prejuízo evidente para a defesa, as quais não conseguiram sequer analisar devidamente os nomes sorteados, a fim de eventualmente afastar os jurados impedidos ou parciais. Cabe ressaltar que tal questão viola gravemente o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, LV, da Constituição Federal.
Outras nulidades reconhecidas pelos Desembargadores foram: (i) a ilegalidade da reunião reservada entre o juiz presidente e os jurados; (ii) a violação ao princípio da correlação entre a decisão de pronúncia e a sustentação da acusação; (iii) a redação deficiente de quesitos, especialmente o quesito relativo ao dolo eventual e (iv) à violação do artigo 479 do Código de Processo Penal pelo Ministério Público.
Acrescenta-se que, segundo o entendimento dos desembargadores, para o reconhecimento de nulidades absolutas, não há necessidade de demonstração de prejuízo.
Desta forma, por dois votos à um, o júri restou anulado.
Importante destacar que as nulidades foram mostradas ao vivo para todo país, causando espanto em toda a comunidade criminalista, que após, defendeu veemente a evidente ilegalidade do julgamento.
Logo após a Sessão de Julgamento das apelações, o Ministério Público do Rio Grande do Sul, apresentou manifestação perante Supremo Tribunal Federal, com evidente supressão de instância, requerendo a suspensão da Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, concessiva da liberdade dos acusados, de modo a ensejar que os réus prossigam no cumprimento da condenação exarada pelo Tribunal do Júri.
Dessa forma, as defesas dos acusados apresentaram manifestação contestando o pleito ministerial e o feito segue para análise e decisão do Supremo Tribunal Federal, que será proferida pelo Ministro Luiz Fux.
Diante de toda a peculiaridade do caso, necessário se faz mencionar o entendimento do ilustre Aury Lopes Jr, que prelecionou que a visibilidade e complexidade do processo não pode servir como permissiva violação dos direitos e garantias:
“A visibilidade e complexidade do processo não pode servir como justificativa permissiva para violação dos direitos e garantias. A posição sistemática do júri no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição não é ao acaso. O júri é uma garantia do cidadão e, como tal, deve ser interpretado.”
Conclui-se, portanto, que a decisão do TJRS foi acertada e dá esperança para nós operadores do direito, pois reafirma a importância do devido processo legal nos processos penais, inclusive processos de grande visibilidade e que sua violação tem consequências, pois sem o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, não há justiça.
Matéria de Rafaela de Otero e Sofia Delarue