21
nov
2023

Anulação das condenações do Caso Evandro

Por Rafaela Azevedo de Otero

Em 09/11/2023, em julgamento de revisão criminal, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná anulou, por maioria dos votos, as condenações dos acusados pelos crimes.

Trata-se de uma decisão muito importante e que busca trazer um pouco de paz àqueles que demoraram mais de 31 anos para provar suas inocências. 

Pelo menos, aqueles que ainda estão vivos.

O Caso Evandro

Em 6 de abril de 1992, o menino Evandro Ramos Caetano sumiu, quando voltava para casa para buscar um jogo que havia esquecido, já que ficaria com sua mãe na escola onde ela trabalhava em Guaratuba/PR.

A mãe estranhou o fato de o menino não retornar para escola, mas acreditou que ele teria optado por ficar em casa. No final do dia, ao voltar para casa não o encontrou. Os pais procuraram a polícia, que iniciou as buscas pela criança.

Passados alguns dias, o corpo de Evandro foi achado em um matagal de Guaratuba/PR, em estágio avançado de decomposição, sem os órgãos internos, sem as mãos e sem os dedos dos pés.

Em fevereiro do mesmo ano, o menino Leandro Bossi também tinha sumido, também na mesma cidade, sem que o corpo tivesse sido descoberto.

As investigações foram iniciadas pela Polícia Civil, que não conseguiu achar indícios do autor do crime contra Evandro. As investigações também foram realizadas pela Polícia Militar, que não possuía atribuição para a atividade.

É importante deixar registrado que, nas décadas de 1980 e 1990, o mundo vivia uma espécie de surto coletivo, imputando a responsabilidade de crimes a seitas e rituais satânicos. Por causa dos ferimentos no corpo de Evandro, muitos especularam que a causa para sua morte seria um destes rituais.

Surge então uma suposta testemunha, “tio” de Evandro, que também tinha interesses na política da cidade. Segundo este tio, Diógenes Caetano, a esposa (Celina) e a filha (Beatriz) do prefeito, juntamente com um pai de santo chamado Osvaldo Marcineiro, seu ajudante, Vicente de Paula e mais três pessoas, teriam sacrificado o menino Evandro em um ritual satânico para trazer dinheiro e prestígio à família do prefeito, Aldo Abbage. Observa-se que o número de 7 acusados era proposital, pois supostamente seria um número relacionado ao satanismo.

Realizadas algumas diligências investigatórias, não foram encontrados indícios, nem muito menos provas do cometimento do crime pelos acima investigados, mas mesmo diante da falta de outras provas, foram efetivadas prisões em julho de 1992.

Presos, alguns dos investigados confessaram os crimes. Em suas confissões é possível verificar que existem informações técnicas, em termos não habituais aos acusados, como é o caso de “asfixia mecânica” e “corte transversal”, os quais dão indícios da manipulação pelas autoridades. Além disso, as confissões foram realizadas sem a presença de advogados e sob tortura, prática ainda comum na época, derivada da ditadura.

Logo após as confissões e agora sob o patrocínio de advogados, os acusados negaram os fatos, explicando que as declarações foram obtidas sob tortura.

No entanto, mesmo sem outras provas e com fortes indícios de que as confissões foram obtidas por tortura, os réus foram denunciados pelo crime. As confissões foram corroboradas por testemunhas oculares, as quais após se descobriram falsas.

A instrução processual foi bastante tumultuada, com o desaforamento dos fatos para outras cidades e o desmembramento de Celina e Beatriz Abagge dos demais réus, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira, Airton Bardelli e Cristofolini.

Airton Bardelli e Cristofolini nunca confessaram os crimes e acabaram absolvidos. Porém, os demais réus foram todos condenados, com exceção de Celina Abagge, que após a anulação de seu primeiro julgamento, que havia declarado ela e a filha inocentes, teve extinta a sua punibilidade pela prescrição.

O trânsito em julgado da condenação dos acusados se deu em 2004. Beatriz Abagge foi condenada a 21 anos de prisão, Osvaldo Marcineiro a 20 anos, Vicente de Paula  e Davi a 18 anos e 8 meses. Vicente de Paula morreu na prisão.

Passados muitos anos, quando todos os réus sobreviventes já estavam livres, seja pelo indulto, no caso de Beatriz, ou pelo cumprimento da pena, eles continuavam defendendo sua inocência e repetindo que confessaram mediante tortura, sem que tal situação fosse reconhecida por nenhum tribunal, até que um historiador de Curitiba/PR, Ivan Mizanzuk, que era criança no Paraná na época dos fatos, resolveu contar a história de Evandro Ramos Caetano no podcast “Projeto Humanos: O caso Evandro”. No decorrer dos episódios, Ivan tem acesso à integralidade das fitas de áudio das confissões e, com isso, comprova que os condenados realmente foram torturados para confessar. E não só isso, Ivan também demonstra que as testemunhas mentiram nas audiências e que não existe nenhuma outra prova contra eles. As gravações são repassadas aos defensores dos condenados, que entram no TJPR com uma revisão criminal, pedindo a anulação dos julgamentos.

Inicialmente, eles não têm sucesso, pois discutem a validade das provas e a ausência de perícia técnica. No entanto, a 1ª Camara Criminal do TJPR decide pela legalidade das provas. Assim, em 09/11/2023 ocorreu a sessão de julgamento, que anulou todas as condenações, por 3 votos a 2, reconhecendo a inocência de Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira, que morreu em 2011 na prisão.

O procurador responsável pelo caso, Silvio Couto Neto, do Ministério Público do Paraná, em uma decisão diferente dos pareceres do MPPR, entendeu que não havia provas para condenação dos réus, opinando pela anulação das condenações. Segundo eles, houve pressão da opinião pública e que foram realizadas investigações “tendentes a confirmar” uma “declaração que veio do nada”.

Após 31 anos, a decisão traz alguma justiça aos acusados e suas famílias, porém, a família de Evandro Ramos Caetano permanece sem saber quem é o autor do crime.