17
jul
2024

A anulação das provas da Operação Lava-Jato e a liberação dos valores bloqueados – parte 2

Por Rafaela Azevedo de Otero

Aqueles que, de alguma forma, participaram as inúmeras fases e ramificações da Operação Lava-Jato sabem que os Procuradores brasileiros, em especial, aqueles de Curitiba, detinham os dados bancários dos réus em bancos nacionais e estrangeiros e com isso, ao deflagrar uma operação, era determinado o bloqueio de todos os valores do patrimônio dos envolvidos, seja no Brasil ou no Exterior. Em uma conta matemática somente compreendida pela acusação, eram sequestrados em certas circunstâncias 3 vezes o valor dos contratos objeto do suposto esquema de corrupção e muitas vezes, esse bloqueio ocorria para cada um dos réus.

Tais valores dificilmente são liberados no curso do processo, mesmo demonstrado o excesso de bloqueio, quando se justificava o bloqueio no interesse público e na possibilidade de novas ações no decorrer do processo e com isso, adiando-se a liberação para o futuro. Enquanto isso, busca-se alternativas para manter os bloqueios, como é o caso das Ações de Improbidade, ações de ressarcimento de dano ou então, o dano moral à coletividade. Já os valores bloqueados no exterior ficam em uma espécie de “limbo”, pois dependem dos procedimentos internos de cada país juntamente com as determinações das autoridades brasileiras que insistem na manutenção dos bloqueios, muitas vezes sem justificativas concretas.

Somente se decidiria o que seria feito com os valores ao final da ação penal quando, em caso de condenação, determinava-se muitas vezes o perdimento ou então, permaneciam bloqueados por conta das outras ações. E em relação aos valores no exterior, em grande parte das vezes, eram realizados acordos de colaboração premiada ou leniência, em que os colaboradores concordavam em renunciar às quantias.

Levando em consideração as cooperações internacionais registradas pelo Ministério Público Federal – dados obtidos por consultas junto ao MPF e MJ – de 01/01/2015 a 06/11/2020 somente nas cooperações internacionais envolvendo a Lava-Jato havia cerca de USD 370.500.000,00 bloqueados nos bancos estrangeiros, além de UDS 86.500.000,00 que foram repatriados pelo Brasil. Todos os valores repatriados foram por meio de acordo de colaboração¹.

Ou seja, grande parte do valor dos acusados nos bancos estrangeiros permanece bloqueado aguardando o trânsito em julgado das ações penais, quando seria definido o destino do dinheiro em comum acordo com os países onde estão as contas.

Se uma solução para tais valores já era complicada enquanto as condenações se mantinham, pois envolvia a cooperação entre os Estados e a definição de percentuais para cada país, como a anulação das ações penais decorrentes das nulidades das provas, a questão será muito mais complicada.

Ao anular as condenações, os réus terão direito a receber os valores de volta, incluído aqueles no exterior. E o procedimento dependerá de cada caso, dos países envolvidos, dos réus e suas famílias, e principalmente de seus advogados. E é preciso que não se esqueça que, além das condenações anuladas também teremos delações sendo canceladas, acordos desfeitos e pedidos de devolução dos valores pagos.

Ainda, o Ministério Público tentará criar estratégias para evitar a liberação dos valores, como é o caso do oferecimento de novas ações baseadas nas provas remanescentes ou outros meios para justificar o perdimento dos valores, como ações tributárias ou até mesmo, alegações de enriquecimento ilícito.

Como os procedimentos envolvendo estes valores são sigilosos e demandam esforço da defesa para obter informações e entender os procedimentos, além de auxílio de advogados no exterior, será um processo complicado, cabendo aos advogados buscar soluções concretas, caso a caso, para a restituição destes valores. Sabemos que alguns casos anulados já tiveram decisões de liberação dos valores, incluindo valores no exterior, porém, as decisões estão sob sigilo, não havendo notícias se já foram efetivadas.

Portanto, é preciso aguardar os desdobramentos das decisões de anulação das provas da Operação Lava-Jato, como também, o resultado dos pedidos de restituição de valores nacionais e no exterior relacionados aos processos já anulados e as respectivas devoluções, cientes que teremos muitas dificuldades na recuperação destes valores. Mas, como dizia Sobral Pinto: “A advocacia não é profissão de covardes”.

1 Os valores considerados são apenas aqueles bloqueados por meio de cooperações internacionais em que o Brasil é requerente entre 01/01/2015 e 06/11/2020 por meio da autoridade central e que foram informados à autora do artigo por meio de consultas, não levando em consideração aqueles pagos através de multas nos acordos.