26
jun
2020

A execução antecipada da pena e a função do estado democrático de direito

O Supremo Tribunal já se debruçou diversas vezes a respeito da interpretação constitucional acerca da possibilidade de execução antecipada da pena. Já houve julgados, tais como o HC nº 84.078 no ano de 2009, que declararam a inconstitucionalidade na prisão antes do trânsito em julgado de ação penal condenatória. Já, por outra via, como consta dos Habeas Corpus nº 126.292 e 152.752, entendem que a possibilidade do início da execução da pena após a confirmação da sentença de segundo grau não ofende o princípio da presunção constitucional da inocência.

Diante de votações tão acirradas e de um tema tão caro ao Estado Democrático de Direito, as palavras de Nelson Hungria nunca fizeram tanto sentido: “O Supremo Tribunal Federal tem o supremo privilégio de errar por último”. E tanto é que houve um reposicionamento de entendimento no julgamento cumulativo das Ações Direta de Constitucionalidade nº 44, 45 e 54, onde, por maioria, julgou-se procedente a ação para assentar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 12.403/2011.

O resultado do julgamento foi no sentido de que a partir de 2011 o artigo 283 do Código de Processo Penal passou a vigorar de forma a convalidar, como não poderia deixar de ser diferente, princípio explícito na Constituição Federal. Em suma, ninguém poderá ser preso sem que haja decorrência de sentença condenatória transitada em julgado. Dessa forma, não se pode haver decretação de prisão para ação penal que não tenha esgotado as vias recursais, sejam elas primeira, segunda ou as instâncias especiais, STF e STJ.

Interpretação correta e em homenagem à carta magna, de forma que quaisquer mudanças legislativas referentes a essa norma devem ser elaboradas por àqueles que a sociedade coloca no poder para representá-los, o poder legislativo. Não cabe aos ministros do Supremo Tribunal Federal, por mais sapientes e honrosos, em uma clara usurpação de poderes, legislar sem legitimidade para tal.

A Constituição de 1988 não ganhou o apelido de Constituição Cidadã à toa. Ela deve ser interpretada de forma sistemática, de maneira harmônica e, ainda que haja interesses midiáticos e fetichistas, cabe à Corte Suprema o respeito aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito e não ceder às pressões da sociedade. Se, em um voto o Ministro Barroso afirmou que “ninguém respeita país que blinda corruptos”, quem dirá um país onde sua Constituição corre o risco de virar letra morta.