16
jan
2023

A hecatombe das Americanas

A temática do presente artigo é a hecatombe das Americanas. Até quando a contabilidade criativa agarra o campo penal? Soa muito difícil justificar a boa intenção dos gestores ou profissionais da contabilidade no sentido de manipular dados que busquem uma suposta “imagem mais fidedigna do patrimônio”. As questões que levantaríamos: Para quem e sob quais argumentos as demonstrações contábeis serão mais confiáveis? Será possível haver homogeneidade na informação contábil? A mando de quem isso foi feito?

Houve, de fato, uma contabilidade criativa dentro da organização? A falha foi geral da auditoria externa, causando um enfraquecimento de valores éticos, morais, sociais e, principalmente, expondo a ineficácia dos sistemas de controles internos, como fatores que favoreceriam a ocorrência desses pseudodesvios, pela oportunidade em cometê-los e escondê-los, bem como pressão por dificuldades financeiras e apresentar resultados não compatíveis com a realidade econômica?

O Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa, do professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, define Auditoria como “Exame analítico e pericial que segue o desenvolvimento das operações contábeis, desde o início até o balanço”. Já gestão, por sua parte, é definida como “Ato de gerir; gerência, ou administração”.

Uma das correntes que estuda a contabilidade criativa, mais especificamente a anglo-saxônica, a define como um conjunto de técnicas e práticas realizadas por parte de um gestor, com a finalidade de manipular e obter um nível de resultados (lucros ou prejuízos) desejado. Outros a definem como a seleção das melhores alternativas, válidas do ponto de vista da norma aplicável, utilizando-a como sinônimo de estratégias criativas. Estes extremos, passando por diferentes estágios intermediários, evidenciam que uma definição consensual é praticamente impossível [1].

O termo gestão normalmente é associado à administração, e algumas vezes utilizado como seu sinônimo. Para o professor Nakagawa (1987, p. 50), da Universidade de São Paulo, o termo gestão tem a conotação da palavra inglesa manage, permitindo deduzir-se o envolvimento do ato de conduzir ou gerenciar. Esse autor define gestão como “a atividade de conduzir uma empresa ao alcance de um resultado desejado (planejado) por ela, apesar das dificuldades”.

No que toca a fraude propriamente dita, definida nas Normas Internacionais de Auditoria (IFAC, Tema 240, p. 53) como: “um ato intencional por parte de um ou mais indivíduos dentre os membros administrativos, empregados ou terceiros, que resulta em declarações falsas das demonstrações contábeis”.

De forma geral, o termo em questão tem sido utilizado para referir-se ao processo mediante o qual os contadores aplicam os conhecimentos da norma contábil para manipular, de acordo com sua conveniência, os valores das demonstrações contábeis.

Para Griffiths (1986, p. 1), a contabilidade criativa tem um significado singular. Apesar de não ser um especialista da área contábil, ele consegue apresentar uma definição muito coerente com a de autores reconhecidos na área: “Todas as empresas do país estão escondendo seus resultados. Os resultados anuais se baseiam em livros que têm sido ‘cozinhados’ ou ‘completamente assados’. As demonstrações apresentadas duas vezes ao ano ao público investidor têm sido todas manipuladas para proteger os culpados. … De fato esta fraude é completamente legítima. É a contabilidade criativa”.

Por outro lado, o especialista contábil Jameson (1988, p. 8-9) afirma: “O processo contábil consiste em tratar com diferentes tipos de opiniões e resolver conflitos entre aproximações diferentes, para apresentação dos resultados, dos fatos e transações financeiras. Essa flexibilidade facilita a manipulação, mentira e tergiversação. Estas atividades – praticadas por elementos menos escrupulosos da profissão contábil – começam a ser conhecidas como contabilidade criativa”.

Outra perspectiva diferente é apresentada por Smith (1992, p. 4-6), que, baseando-se em sua experiência como analista de investimentos, afirma: “Nos dá a impressão que grande parte do aparente crescimento, ocorrido no final dos anos 80, tenha sido mais um resultado da manipulação contábil do que um verdadeiro crescimento econômico, e queremos expor as principais técnicas utilizadas e dar alguns exemplos de empresas que as estão utilizando.”

O conceito de fraude antes tratado, que corresponde à premissa básica deste estudo, coincide completamente com o desenvolvimento das Normas Internacionais de Auditoria do IFAC que estabelecem que “Ao planejar e executar procedimentos de auditoria e ao avaliar e relatar seus resultados, o auditor deve considerar o risco de distorções relevantes nas demonstrações contábeis, como resultado de fraude ou erro.” O mesmo texto, na referida Norma Internacional de Auditoria, estabelece que o termo fraude “refere-se a um ato intencional por parte de um ou mais indivíduos dentre os membros administrativos, empregados ou terceiros, que resulta em declarações falsas das demonstrações contábeis.” Afirma também que, a fraude pode envolver atos comissivos e omissivos, enquadrados como: (i)manipulação, falsificação ou alteração de registros ou documentos; (ii) apropriação indébita de ativos; (iii) supressão ou omissão dos efeitos de transações nos registros; (iv) registro de transações sem comprovação; (v) aplicação indevida de políticas contábeis.

Incluem-se ainda nesta lista a não aplicação ou manipulação dos princípios fundamentais da contabilidade e Normas Brasileiras de Contabilidade – NBC.

Muitas vezes, proprietários, gerentes e contadores utilizam seus conhecimentos sobre as normas e padrões contábeis com o objetivo de enviesar e manipular os relatórios contábeis, em um processo conhecido como contabilidade criativa (creative accouting). Este processo de “gerenciamento” das informações é também conhecido como smothing.

A história econômica não é tão remota, especificamente nos escândalos das empresas Enron, Word e Parmalat, comprovou-se a existência de fraudes contábeis. Segundo Marco Antonio Papini (2004) as fraudes contábeis visam manipular os resultados da organização, no intuito de demonstrar uma situação enganosa, podendo assim causar sérios problemas aos usuários externos dessas informações. Esses danos também geram perdas no âmbito financeiro e prejudicam a alocação dos recursos, atualmente escassos, na economia mundial. Nos Estados Unidos, conforme Papini (2004) “as fraudes contábeis causaram prejuízos de mais de $200 bilhões de dólares nos últimos anos”. Essas fraudes geralmente são realizadas pelos contadores, a pedido dos executivos, por motivos vários, seja para mascarar prejuízos ocorridos, seja para camuflar desvios de recursos da entidade, retirando o descrédito das demonstrações contábeis.

A legislação brasileira tem se esforçado em coibir este tipo de prática, tal é o escopo das alterações da lei de Sociedade Anônima (6.404/76), do Código Civil (lei n°10.4B8r3B4p7yhRXuBWLqsQ546WR43cqQwrbXMDFnBi6vSJBeif8tPW85a7r7DM961Jvk4hdryZoByEp8GC8HzsqJpRN4FxGM9do colarinho branco [2].

As fraudes contábeis para manipulação dos resultados apresentados nos balanços patrimoniais são antigas, mas a prática ficou mais sofisticada com a aparição dos paraísos fiscais, e com a implantação de novas operações realizadas no mercado de capitais, nos pregões das bolsas de valores e também no mercado de balcão de títulos de renda fixa, intermediados pelas instituições financeiras.1. Obtenção de benefícios diretos sobre os resultados alcançados, margens das vendas, participação no mercado.

Nos próximos dias veremos a atuação dos xerifes do mercado junto aos processos sancionadores a serem abertos.

[1] https://www.scielo.br/j/rcf/a/MMcNQKMgwP9sb6WrK3fsyvD/?lang=pt

[2] https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52462/fraudes-nas-demonstracoes-contabeis-e-a-incidencia-em-crimes-falimentares-e-o-codigo-de-etica-do-contador