Por: Liz Estudino
Nos últimos meses, o tema das sanções internacionais voltou ao centro das atenções com a aplicação da chamada Lei Magnitsky a autoridades brasileiras. Embora soe distante, esse tipo de sanção já afeta, na prática, contas bancárias, operações internacionais, contratos e o acesso a sistemas financeiros globais, mesmo para quem nunca foi julgado ou acusado formalmente no Brasil.
A Lei Magnitsky, criada nos Estados Unidos em 2012 e replicada por países como Reino Unido, Canadá e membros da União Europeia, permite a imposição de sanções unilaterais, como bloqueio de bens, congelamento de contas e proibição de entrada no país, a pessoas físicas e jurídicas envolvidas (ou supostamente envolvidas) em corrupção ou violações de direitos humanos.
Trata-se de um mecanismo de sanção autônoma, expedido pelo Poder Executivo (ex: Departamento de Estado dos EUA), sem necessidade de processo judicial. Na prática, isso significa que um empresário brasileiro pode ser incluído em listas como a da OFAC (Office of Foreign Assets Control) e, com isso, ter seus ativos bloqueados no exterior, sua reputação comprometida e seus contratos suspensos por parceiros internacionais, mesmo que não exista qualquer condenação ou investigação em seu país de origem.
Essas sanções têm efeitos reais sobre o cotidiano empresarial, bancos deixam de operar com clientes incluídos nessas listas, empresas enfrentam travas no recebimento de valores do exterior, fundos de investimento podem congelar cotas de cotistas sancionados, e mesmo cláusulas de compliance de grandes contratos podem prever a rescisão automática em casos assim. A depender do setor, energia, commodities, tecnologia, infraestrutura, fundos patrimoniais, os impactos podem ser imediatos e severos.
É importante destacar que esse modelo de sanções diretas contrasta fortemente com os mecanismos tradicionais de cooperação jurídica internacional, como os Mutual Legal Assistance Treaties (MLATs). Por meio dos MLATs, é necessário que o país estrangeiro solicite formalmente ao Brasil alguma medida de investigação ou bloqueio, mediante ordem judicial e respeitando o devido processo legal.
Já as sanções baseadas na Lei Magnitsky prescindem de tudo isso, a autoridade estrangeira aplica a medida diretamente, com base em seus próprios critérios e interesses políticos. Trata-se de um instrumento extraterritorial e estratégico, que muitas vezes dialoga mais com geopolítica do que com o direito penal em sentido estrito.
Na prática, isso cria uma nova camada de risco regulatório e patrimonial para empresários, investidores, gestores de patrimônio, autoridades públicas e pessoas expostas politicamente (PEPs). A simples vinculação a temas politicamente sensíveis, ainda que sem qualquer condenação judicial, pode gerar consequências internacionais inesperadas, sobretudo quando há ativos, negócios ou conexões financeiras com os EUA, Europa ou Reino Unido. Por essa razão, tornou-se essencial desenvolver estratégias de mitigação e monitoramento, envolvendo due diligence ativa, revisão contratual, blindagem patrimonial e assessoria especializada em direito penal internacional e compliance.
Vale lembrar, ainda, que o conceito de liberdade de expressão nos Estados Unidos é significativamente mais amplo do que no Brasil, sobretudo em razão da Primeira Emenda da Constituição norte-americana. Isso pode gerar conflitos de princípios quando sanções são impostas com base em declarações públicas ou manifestações políticas que, em território brasileiro, seriam protegidas por garantias constitucionais ou sequer configurariam ilicitude. O embate entre esses sistemas jurídicos evidencia a importância de compreender a lógica estrangeira antes que ela produza efeitos concretos e, muitas vezes, irreversíveis sobre a esfera jurídica nacional.
Se você mantém ativos no exterior, realiza negócios internacionais ou ocupa posição de exposição política, é fundamental compreender essa nova realidade e buscar mecanismos de proteção jurídica integrados. A equipe do nosso escritório está preparada para oferecer essa análise de risco e atuar de forma preventiva e estratégica frente às complexidades das sanções internacionais e seus desdobramentos penais e patrimoniais.