Por Júlia Gonçalves Fraga
A persecução penal dos crimes sexuais enfrenta obstáculos probatórios significativos, decorrentes da própria natureza desses delitos. Por serem, em regra, praticados em ambientes reservados e sem testemunhas, tais crimes violam bens jurídicos de especial proteção, como a liberdade sexual e a integridade psíquica da vítima, dificultando sobremaneira a reconstrução dos fatos no processo penal.
A dificuldade de produção de provas em delitos sexuais é notória. Frequentemente, esses crimes são cometidos na clandestinidade, por pessoas próximas à vítima, com uso de violência ou grave ameaça. A ausência de testemunhas diretas, a inexistência de vestígios físicos, seja pela natureza do ato, seja pelo tempo decorrido até a denúncia, e os traumas psicológicos que dificultam a pronta comunicação do fato às autoridades, tornam o processo de apuração extremamente complexo.
Nos casos em que a vítima é menor de idade, há ainda o tensionamento entre a proteção integral da criança e do adolescente e os direitos fundamentais do acusado, especialmente o contraditório e a ampla defesa. Essa tensão exige do sistema de justiça uma atuação cuidadosa e equilibrada.
Diante desse cenário, a jurisprudência brasileira tem atribuído especial relevância à palavra da vítima, desde que esta seja coerente, verossímil e esteja em consonância com os demais elementos probatórios dos autos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento nesse sentido:
“A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, em crimes de natureza sexual, à palavra da vítima deve ser atribuído especial valor probatório, quando coerente e verossímil, pois, em sua maior parte, são cometidos de forma clandestina, sem testemunhas e sem deixar vestígios.”
(AgRg no AREsp n. 1.594.445/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 06/02/2020)
Essa valorização não implica presunção absoluta de veracidade, mas sim o reconhecimento de que, em determinadas circunstâncias, a palavra da vítima pode ser o principal, senão o único, elemento de reconstrução da verdade dos fatos.
Os meios de prova previstos entre os artigos 158 a 250 do Código de Processo Penal, incluem, entre outros, o exame de corpo de delito, a prova testemunhal, documental, interrogatório, reconhecimento de pessoas e coisas, acareação e confissão.
Contudo, nos crimes sexuais, nem sempre é possível realizar exame de corpo de delito, seja pela ausência de vestígios, seja pelo tempo decorrido entre o fato e a denúncia. Isso reforça a importância da palavra da vítima como meio de prova, especialmente quando corroborada por outros elementos, como relatos consistentes, mudanças comportamentais, testemunhos indiretos e perícias psicológicas.
A centralidade da palavra da vítima nos crimes sexuais não deve ser confundida com uma inversão do ônus da prova ou com a relativização do princípio do in dubio pro reo. Ao contrário, trata-se de reconhecer as especificidades desses delitos e a necessidade de uma abordagem probatória sensível, que respeite os direitos da vítima sem comprometer as garantias fundamentais do acusado.
A atuação do Judiciário, nesse contexto, deve ser pautada pela prudência, pela escuta qualificada e pela análise criteriosa da verossimilhança dos relatos, sempre em busca da verdade real e da justiça.