Por Rafaela Azevedo de Otero e Leonardo Calegari
Em 15/01/2024 foi sancionada a Lei nº 14.811/2024, que estabelece medidas para reforçar a proteção de crianças e adolescentes contra a violência, principalmente nos ambientes educacionais.
A referida lei, que passou a ter vigência na data de sua publicação, também prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, além de prever alterações no Código Penal, em relação aos Crimes Hediondos e no Estatuto da Criança e Adolescente.
A Lei nº 14.811/2024 é ampla, buscando a defesa da criança e dos adolescentes em vários âmbitos, mas também, foi motivada pelo aumento de casos de violência nas escolas, que teve um crescimento significativo de 50% em 2023, se comparado a 2022, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos.¹
Para isso, incluiu-se no Código Penal o art. 146-A para tipificar as condutas que visam intimidar sistematicamente uma ou mais pessoas, individualmente ou em grupo, popularmente conhecidas como “bullying”. O elemento essencial do tipo é a prática intencional e repetitiva de atos de intimidação, humilhação, discriminação, ou ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais, sem motivação evidente.
A Lei nº 13.185/2015, que criou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, já previa a figura do bullying, porém, não estabelecia punição específica para esse tipo de conduta, apenas obrigava escolas, clubes e agremiações recreativas a assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática.
Uma inovação relevante trazida pela Lei nº 14.811/2024 é a inclusão, no parágrafo único do mesmo artigo, da intimidação sistemática virtual, conhecida como “cyberbullying”. Ao qualificar o crime, a norma procura adaptar-se aos desafios contemporâneos, reconhecendo a importância de combater a violência digital, que muitas vezes assume formas cruéis e persistentes.
O legislador estabeleceu penas proporcionais à gravidade do delito. Na forma simples do delito (bullying), ou seja, para casos em que a conduta não constitui crime mais grave (crime subsidiário), a pena prevista é apenas de multa. No entanto, se a intimidação sistemática ocorrer por meio de redes de computadores, redes sociais, aplicativos, jogos online ou outros ambientes digitais (cyberbullying), a pena é mais severa: reclusão de 2 a 4 anos, além de multa.
Essa diferenciação de penas reflete a preocupação do legislador em lidar com a dimensão virtual da intimidação sistemática, considerando a maior reprovabilidade da conduta praticada nesse meio. A norma reconhece o potencial mais nocivo das agressões online, dada a dificuldade de identificação dos agressores e o maior risco de atuação oculta e sub-reptícia.
Outra implicação jurídica decorrente da distinção das reprimendas é que o tipo penal qualificado do cyberbullying, em razão da pena mínima e máxima cominada, não admite a concessão de certos benefícios extrapenais, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, previstos na Lei nº 9.099/95.
No atual panorama social, portanto, a inclusão do crime de intimidação sistemática no Código Penal, com ênfase no cyberbullying, representa um avanço significativo na proteção aos direitos e garantias fundamentais, sobretudo da criança e do adolescente. O ordenamento jurídico, ao adaptar-se às demandas contemporâneas, também busca assegurar um ambiente escolar e digital mais seguro, promovendo valores e respeitando a dignidade humana.
Porém, algumas controvérsias potencialmente irão surgir em relação à subsunção dos fatos ao tipo penal, principalmente quanto à definição do que seria “sem motivo aparente”, o que deverá ser analisado de acordo com as peculiaridades de cada caso. A intenção, no entanto, é inequívoca: promover uma sistemática legal de proteção à criança e ao adolescente, mormente no ambiente escolar e similares.