Por Leonardo Calegari
Em agosto do corrente ano, entrou em vigor a Portaria RFB nº 199/2022, alterando a Portaria da Receita Federal nº 1.750/2018, para dispor sobre a representação fiscal para fins penais alusiva a crimes contra a ordem tributária, previdência social, contrabando ou descaminho.
Em síntese, a representação fiscal para fins penais é um ato pelo qual o Fisco comunica o Ministério Público a prática de ilícitos descobertos em procedimento administrativo de lançamento/homologação de tributos, para que o órgão delibere pela instauração ou não da respectiva ação penal.
Dentre as inovações regulamentares, destaca-se a nova redação dada ao artigo 6º, que passou a exigir a prévia comprovação da ocorrência dos fatos que configuram, em tese, crimes tributários para a formalização de representação. Além disso, foi imposta a necessidade de o agente fiscal indicar dados que afastem a alegação de mero erro na transmissão das informações à base de dados da Receita.
Tais alterações despontam como de suma importância não só à efetividade da persecução penal, mas sobretudo à garantia dos princípios constitucionais, como do devido processo legal e do estado de inocência, na medida em que visam diminuir a quantidade de comunicações fiscais vagas e genéricas que ocasionam a deflagração de procedimentos criminais.
Isso porque não é incomum casos em que o Ministério Público, sem realizar qualquer análise valorativa da comunicação feita pela Administração Fiscal, tenha requisitado a instauração automática de inquéritos para apurar ilícitos puramente tributários, isto é, inequivocamente atípicos.
Há situações, aliás, em que o contribuinte suporta o ônus de figurar como investigado por fatos que nem mesmo se tenha reconhecido a presença de fraude na esfera administrativa, haja vista não ter sido aplicada no auto de infração qualquer multa qualificada pelo emprego de fraude e/ou sonegação, mas mera imposição de multa simples pela inadimplência.
A nova regulamentação, a propósito, vai ao encontro até mesmo da Súmula Vinculante 24, que prescreve a falta justa causa para a ação penal enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento. Vale dizer, a edição da súmula já demonstrava, à época, a necessidade de esgotamento da via administrativa como forma de evitar representações vazias, notadamente sob o viés do caráter fragmentário do direito penal.
Com efeito, a publicação da Portaria supramencionada surge como uma importante medida neutralizadora da inúmera quantidade de investigações instauradas unicamente em comunicação de dívidas fiscais, desprovidas de qualquer indicativo da prática de fraude, dolo ou sonegação.
Em outras palavras, espera-se que o cenário daqui para frente seja a formalização de representações fiscais para fins penais embasadas, de fato, em elementos indiciários de ato que tipifique crime contra a ordem tributária.