03
set
2025

Excesso de prazo no julgamento da apelação: Aspectos legais e jurisprudenciais

Por João Vitor Moreira Michelin

Que o judiciário brasileiro é moroso, todos sabem. O problema se agrava quando falamos de processos criminais, que impõem grande estigma e sofrimento para os acusados, considerando a possibilidade de aplicação, muitas vezes, de penas privativas de liberdade.

O que nem todos sabem é que o direito a uma duração razoável do processo é assegurada pela nossa Constituição Federal. Desse fato, decorre que um Tribunal não pode demorar o tempo que quiser para julgar um processo. Isso também ocorre em sede recursal, no âmbito dos Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores e, ultimamente, uma tendência jurisprudencial relevantíssima passou a determinar que o prazo para julgamento de um recurso seja balizado pelo tempo de pena aplicada ao acusado em primeira instância. Vejamos de forma pormenorizada:

Em situações extremas, o tempo de espera pelo julgamento do recurso supera a própria pena aplicada na sentença de primeiro grau – o que desafia diretamente o direito constitucional à razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). Isso pode e configura constrangimento ilegal por excesso de prazo – que é justamente quando alguém impõe a outrem que faça algo que a lei não determina. Nesse caso, o acusado não é obrigado a aguardar todo esse tempo, tendo em vista a irrazoabilidade do prazo e o direito constitucional a um julgamento em tempo hábil.

É nesse sentido que tem se consolidado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, já que não existe na lei processual um prazo fixo para a segunda instância julgar uma apelação criminal e, mesmo quando há prazo legal para um julgamento, fato é que essa norma é inevitavelmente afastada pelo princípio administrativo da reserva do possível.

Por isso, a análise do atraso não pode ser meramente aritmética, mas deve se pautar pelo princípio da razoabilidade. Não basta contar dias ou meses; é preciso considerar as circunstâncias do caso, a complexidade do processo, número de réus, diligências pendentes e outros fatores que possam influenciar a tramitação.

Contudo, um critério objetivo tem triunfantemente emergido na jurisprudência do Tribunal Cidadão: comparar o tempo de demora com o tamanho da pena imposta na sentença. A Sexta Turma do STJ vem decidindo que “a análise do excesso de prazo para o julgamento da apelação deve levar em consideração o quantum da pena aplicada na sentença condenatória”. Palavras animadoras!

Em outras palavras, o eventual excesso de prazo deve ser mensurado de acordo com a quantidade de pena fixada na condenação de primeiro grau. Assim, se o acusado já aguardou pelo julgamento do recurso por período próximo ou superior à própria pena que lhe foi imposta, há forte indicativo de violação ao seu direito de não ser mantido preso além do necessário. E mais importante ainda: isso independe da possibilidade teórica de aumento da pena na segunda instância. Esse entendimento afasta o argumento de que a simples perspectiva de uma majoração da pena (com base no art. 59 do Código Penal) poderia legitimar a demora indefinida do julgamento.

Imaginem, por exemplo, o crime de lavagem de dinheiro, que prevê a possibilidade de aplicação de uma pena de três a dez anos de reclusão. Caso alguém seja condenado à prestação da pena no mínimo legal, substituída por pena restritiva de direitos e multa. Seria irrazoável que, em segunda instância, esse réu aguardasse por dez anos, que é a pena máxima, para que seu recurso, ou o do Ministério Público, fosse julgado. No final das contas, a delonga do processo poderia se tornar mais penoso que a própria pena – situação vedada pelo princípio administrativo da razoabilidade.

É nesse sentido que a Corte Superior enuncia: “embora a lei processual não estabeleça prazo para o julgamento da apelação, tratando-se de recurso defensivo, a demora injustificada por circunstâncias não atribuíveis à defesa, quando o réu se encontra preso, configura constrangimento ilegal”.

No tocante à violação do art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna Brasileira: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, insta salientar que ela pode se dar em duas ocasiões, pela própria natureza da norma – que tutela dois direitos distintos, embora interligados:
a) Ausência de razoabilidade na demora do julgamento (lapso temporal desproporcional);
b) Falta de utilização dos meios de celeridade (prioridade na tramitação, como aquela conferida por lei a pessoas idosas ou com deficiência/doença grave).

Doutrinadores jurídicos, desde os primórdios da ciência penal, ressaltam que o próprio processo penal pode se converter em uma pena. Um exemplo disso é a sóbria doutrina garantista do mestre Francesco Carnelutti, que já advertia que o processo penal é uma pena em si mesmo, produzindo efeitos prejudiciais não apenas na vida pessoal e social do acusado, mas na sua perspectiva de si mesmo, na sua autoimagem. Sem contar que, enquanto uma nova decisão terminativa não é proferida, o acusado fica sob a aflição de não saber se sua situação perante a justiça penal irá piorar ou ser atenuada.

No mesmo sentido, o jurista brasileiro Aury Lopes Jr. enfatiza que o processo criminal impõe um fardo punitivo intrínseco ao indivíduo. Para ele, “o processo penal é uma pena em si mesmo, pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar”. Em suma, um procedimento criminal que se alonga indefinidamente acaba por castigar o réu antecipadamente, independentemente do desfecho do processo judicial. Isso subverte a finalidade do processo penal, que deveria aplicar uma única pena legalmente prevista.

O direito à duração razoável do processo conecta-se a uma série de garantias negativas do processo penal, concebidas para limitar o poder punitivo do Estado e proteger o indivíduo contra excessos. Trata-se de um conceito iluminista que não pode ser perdido de vista, principalmente em tempos de ampliação do poder punitivo do estado, como o atual. Em resumo, ao coibir a dilação processual indevida, a ordem jurídica protege o indivíduo contra o abuso do poder de punir, reafirmando o caráter civilizatório e garantista do processo penal.

Além disso, é fundamental delimitar quando e a quem se atribui a responsabilidade pelo atraso no julgamento da apelação. Acredita-se ser possível impugnar o excesso de prazo a partir do instante em que a instância recursal passa a deter os autos e, consequentemente, a possibilidade de julgar o recurso – até porque atrasos anteriores ao recebimento dos autos pelo revisor escapa de seu controle e, portanto, a ele não pode ser atribuído o excesso de prazo, tampouco , consequentemente, a condição de autoridade coatora (causadora do constrangimento ilegal). Portanto, para caracterização do excesso de prazo no julgamento do recurso, considera-se o intervalo de tempo desde que o processo chegou ao Tribunal para julgamento até o momento presente.

Importa dizer, ademais, que, assim como em outras ocasiões, o Habeas Corpus pode ser a via eleita para remediar o excesso de prazo, remetendo a matéria diretamente ao Superior Tribunal de Justiça, caso tenha sido praticado por uma Câmara ou Turma revisora. Nesse sentido, apesar de o habeas corpus possuir caráter célere e informal, podendo ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, é indicado que um advogado criminalista experiente o impetre, principalmente para proporcionar uma atuação especializada junto ao Superior Tribunal de Justiça.

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Referências
STJ, AgRg no HC 506.431/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019;

STJ, HC 499.713/SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 28.05.2019.

STJ, AgRg no HC n. 965.122/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 10/3/2025

Informativo 715 do STJ, de 03 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Informjuris20/article/view/12129/12235

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. São Paulo: Conan, 1995.

LOPES JR., Aury, Direito processual penal-17 ed., 2020: Saraiva