02
Maio
2024

O Dever Internacional de Cooperação e a decisão de transferência de execução no Caso Robinho – parte 2

Por Rafaela Azevedo de Otero

O Dever Internacional de Cooperar

O dever internacional de cooperar, principalmente em casos que envolvam direitos humanos hoje é reconhecido pela maioria dos países democráticos, entre eles, o Brasil, passando até mesmo a mitigar princípios, como o da territorialidade, previsto no artigo 1º do Código de Processo Penal brasileiro. Isso porque, a lei processual penal brasileira também está submetida aos tratados e convenções internacional, entre eles, os de direitos humanos que possuem status de emenda constitucional.

Com base neste dever de cooperar, foram desenvolvidos novos princípios de cooperações jurídicas internacionais. Além dos princípios tradicionais, como o princípio da dupla incriminação, que impõe que o crime objeto do pedido de cooperação seja também crime no país requerido, e o princípio do ne bis in idem, que estabelece que ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado em outro país, foram somados outros mais modernos, como o princípio do devido processo legal internacional e o princípio da igualdade.Parte superior do formulário

O princípio do devido processo legal internacional prevê que os direitos e garantias do indivíduo, devem ser respeitados tanto pelo Estado requerente quanto pelo requerido, sob pena de se negar a cooperação jurídica. Já o princípio da igualdade dispõe que o tratamento entre nacionais e estrangeiros não pode ser diferente, inclusive, no que diz respeito à aplicação da lei penal.

Como consequência do respeito a esses princípios anteriormente definidos, outros foram desenvolvidos, como o princípio da confiança e da aplicação da norma mais favorável à cooperação.

O princípio da confiança tem como fator determinando a adesão dos Estados aos Tratados Internacionais, em especial, aos tratados de direitos humanos. Tendo os Estados aderido aos mesmos tratados de direitos humanos, entende-se que reconhecem o seu caráter universal e buscam a adaptação a ordem interna e, portanto, que podem confiar uns nos outros na solução de problemas[1]. Sendo assim, quando um Estado recebe um pedido de assistência internacional e o país requerente é signatário de tais tratados e convenções, tende a confiar na legalidade do pedido, como também, o Estado requerente confiará que o requerido irá respeitar os direitos humanos no cumprimento do pedido.

Já o princípio da aplicação da norma mais favorável à cooperação, intimamente ligado ao da confiança, decorre da busca de harmonização das relações internacionais, que considera a cooperação um dever internacional[2] e, por isso, sua não realização deve ser fundamentada em algum impedimento legal, ou em ofensa a outros princípios, como as garantias internacionais dos acusados.

Assim, estabeleceu-se que a denegação do atendimento a pedidos de assistência internacional deve ser devidamente justificada e a impossibilidade de atendimento integral a demanda, por sua vez, não obstaculiza o atendimento parcial ou sua adaptação as regras de direito interno.

Observa-se que, segundo este princípio, a regra deve ser a realização da cooperação, havendo uma interpretação restritiva sobre cláusulas impeditivas de cooperação internacional, em especial, quando sejam conceitos abertos, como ordem pública[3].

Como veremos a seguir, todos os princípios mencionados foram observados na decisão proferida pelo STJ que homologou a sentença estrangeira no caso do Robinho, autorizando o cumprimento da pena no território nacional.

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[1] BECHARA, Fábio Ramazzini. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: eficácia da prova produzida no exterior. 2009. 200 f. Tese (Pós-Graduação em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009

[2] WEBER afirma que o dever de prestação de cooperação penal em medidas processuais tem até sido positivado, cada vez mais, em acordos internacionais, sejam de cunho predominantemente material ou processual, sejam multilaterais, regionais ou bilaterais. Como exemplos, citamos o art. 7º da Convenção da ONU contra o Tráfico Ilícito de Substâncias Entorpecentes, o art. 18 da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, o art. XIV da Convenção Interamericana contra a Corrupção, o art. V do Acordo em Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e os EUA.

WEBER, Patrícia Maria Núnez. Temas de Cooperação Internacional. Parte I – Temas Gerais de Cooperação Jurídica Internacional. Cooperação Internacional penal: concentos básicos.

[3] ARAUJO menciona decisão do Ministro Marco Aurélio (STJ, CR 10415/EU, Rel. Min. Marco Aurelio, DJ 03/02/2003) que flexibiliza o princípio da ordem pública em prol da cooperação internacional. “É interessante notar que a ordem pública, conquanto denote um certo recrudescimento do Estado em atender a um pedido de cooperação, pode ser usada justamente para flexibilizar a aplicação de uma regra de direito interno ao caso. Essa foi a via argumentativa desenvolvida, de forma implícita, no voto do ministro Marco Aurélio em uma carta rogatória. O pedido era de citação de indivíduo aqui domiciliado por força de ação movida nos Estados Unidos. Lá se procedia à cobrança de uma dívida de jogo. Antes desse caso, em casos similares, o STF não concedeu o exequatur por considerar tais pedidos contrários à ordem pública brasileira, já que a lei brasileira não permite a cobrança dessas dívidas. A aplicação da lei estrangeira (em razão do local da constituição da obrigação, conforme preceitua o Art. 9º da LINDB) seria contra ordem pública brasileira. Mas o Min. Marco Aurélio modificou a jurisprudência predominante e votou pelo deferimento do exequatur para que a citação fosse realizada. (…) Preocupou-se com o respeito ao direito vigente nos demais países, numa demonstração intuitiva de respeito ao princípio basilar do DIPr: o comitas gentium”.

ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira / Nadia de Araujo. – 1. ed. – Porto Alegre : Revolução eBook, 2016. P.