Por Renan Silva
Com o surgimento do novo pacote anticrime, Lei nº 13.964/2019, ocorreram mudanças legislativas e dentre elas a modificação do crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal.
Antes do pacote anticrime, o crime de estelionato se procedia mediante ação penal pública incondicionada, isto é, caso um indivíduo fosse vítima de estelionato o Promotor de Justiça deveria ingressar com a ação penal, ou seja, “processar” o criminoso, independentemente de a vítima manifestar interesse ou não. Assim sendo, o Promotor de Justiça tendo em suas mãos provas suficientes de que o crime ocorreu e provas acerca do autor do fato criminoso, ingressar com a ação era mandatório.
Com a mudança na legislação, o crime de estelionato passou a ser de ação penal pública condicionada à representação. A partir de agora o Promotor só poderá ingressar com a ação penal, ou “processar” o autor do fato criminoso, se a vítima o representar criminalmente. Em outras palavras, será necessário que a vítima de estelionato se manifeste em juízo com as devidas formalidades e diga que deseja que se proceda com a ação penal. Neste ponto, interessante notar que com a necessidade de representação da vítima é esperado que autores de crime de estelionato busquem por acordos e reparações de danos às vítimas de forma mais contundente.[i]
A modificação na lei advinda do pacote anticrime é mais benéfica ao réu e existe em nosso ordenamento jurídico o “princípio da retroatividade da lei mais benéfica”. E é exatamente essa discussão que a alteração do crime de estelionato está levantando perante nossos tribunais superiores.
Um exemplo claro para melhor compreensão deste princípio é: uma pessoa é condenada à prisão por 10 anos por cometer determinado crime, caso surja uma alteração legislativa penal que não considere mais crime o ato praticado o indivíduo estará liberto, ou seja, a lei retroage e alcança eventos passados por seu caráter mais benéfico ao réu.
Este é o debate que a alteração do crime de estelionato está provocando perante nossos Tribunais. A 2° Turma do Supremo Tribunal Federal, ao que tudo indica, se posiciona de forma que o crime de estelionato deva retroagir e alcançar todos os processos anteriores, haja vista que sua alteração refletiu em algo benéfico ao réu, pois caso as vítimas se manifestem contrárias à ação penal muitos réus autores de estelionato poderiam ser libertos.
No julgamento do HC 180.421, os Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes votaram a favor da retroatividade por entenderem que a alteração traz benefícios ao réu. No caso em concreto ficou decidido que a vítima seria intimada para se manifestar se deseja ou não representar o autor em um prazo de 30 dias.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já firmou entendimento de que o crime de estelionato não deve retroagir. O Ministro Ribeiro Dantas defendeu que a retroatividade poderia abrir uma grande “caixa de pandora”. Na sua visão, a busca pela manifestação da vítima poderia gerar um grande problema ao sistema judiciário.
Logo, percebemos divergência de entendimento dos Tribunais, que estão com um tema complexo em mãos para solução. É certo, contudo, que ao seguirmos o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, o novo ditame do crime de estelionato deveria sim retroagir por se tratar de uma alteração que sem dúvidas pode acarretar benefícios aos réus já julgados.
Caso o STF siga o STJ e firme o entendimento de que esta lei não irá retroagir, poderemos esperar novas discussões acaloradas acerca da violação ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica, e as novas vítimas de estelionato terão que representar criminalmente para que seja possível o ingresso da Ação Penal face ao agente.
[i] https://www.migalhas.com.br/quentes/347082/stf-decide-se-lei-que-modificou-crime-de-estelionato-deve-retroagir?U=E98FD813_34C&utm_source=informativo_click&utm_medium=1748&utm_campaign=1748