Do dolo e suas teorias
Por João Vitor Moreira Michelin
No bojo da doutrina brasileira, o dolo é comumente definido como a “consciência e vontade de realizar os elementos objetivos do tipo”, definição advinda do finalismo e adotada pelo Código Penal brasileiro.
O dolo tem como referência o domínio sobre a ação causal dirigida a determinado objetivo, incluindo nesse domínio a consciência acerca de todas as circunstâncias objetivas que estão consignadas pelo legislador para comporem o chamado tipo objetivo.
Segundo Juarez Tavares, o dolo é a consciência e vontade de realizar os elementos objetivos do tipo, tendo como objetivo final a lesão ou o perigo concreto de lesão do bem jurídico. Ou seja, consiste na vontade consciente de atingir o resultado naturalístico do crime.
Sobre o instituto, nos elucida o e. Doutrinador Eduardo Viana:
A atribuição da responsabilidade em nível doloso, portanto, deve satisfazer o conteúdo duplamente psicomental do indivíduo, isto é, para a imputação a título de dolo será necessário demonstrar que ambos os elementos, independentemente um do outro, estavam presentes; apenas a cumulação de ambos justificará a imputação a título doloso. É justamente essa dupla marca mental que servirá como base para estabelecer a fronteira entre o dolo e a culpa. (…) Apenas recorrendo-se à vontade do agente – evidentemente conectada ao elemento cognitivo – será possível elaborar a chave de ajuste do nível de responsabilidade penal a ser atribuída à pessoa. (VIANA, Eduardo. Dolo como compromisso cognitivo. Editora Marcial Pons, 2017. P. 49.)
A necessidade de demonstrar o caráter dúplice: consciência e vontade; no bojo do processo e quando da alegação do dolo eventual é a temática central deste estudo, como se clarificará alhures.
Com o objetivo de esmiuçar as formas de manifestação do dolo e contrastarmos com a culpa consciente, devemos compreender as diferentes teorias sobre o dolo, para refletirmos sobre o modo de sua aferição:
1. Teorias do dolo
I) Quando compreendido pela vertente finalista da doutrina, consiste na vontade do agente de atingir um resultado naturalístico. Nesta corrente, a vontade é o componente subjetivo e inextricável da conduta.
II) Sob a teoria da vontade, conceitua-se sob a prática consciente de ação que vise o resultado naturalístico. Nota-se, aqui, a necessidade expressa da consciência, inseparável do dolo.
III) A teoria da representação, noutro giro, determina o dolo como simples previsão do resultado, embora não se despreze o elemento da vontade. Não é adotada pelo direito brasileiro e padece de muitas falhas para conceituar o dolo em si, uma vez tão enfático na previsibilidade do resultado e não na vontade do agente de causar mal a outrem. Não obstante, aspectos relevantes deste conceito serão mensurados nas análises de casos envolvendo o dolo eventual, por isso, deve-se ter em primeiro plano esta teoria durante a leitura deste texto.
IV) Por fim, a teoria do assentimento, a qual será muito referenciada neste artigo, enfatiza a previsão e adesão a um determinado resultado. Não é elemento crucial dele a vontade, mas o assentimento com resultado antijurídico da conduta. É muito importante se questionar como se dá o exame deste assentimento: se é lastreado em critérios objetivos, como o dever de cuidado, ou se a valoração é pela consciência do autor (assentimento cognitivo).
Neste ponto da série de artigos, já podemos diferenciar todos os tipos de dolo e culpa, com o objetivo de entender a origem do raciocínio sobre o dolo eventual e sua importância para compreender a mecânica dos crimes de trânsito, em vistas do assentimento do agente com o resultado naturalístico de seu delito. Isto será desenvolvido na próxima semana.