20
Maio
2021

Reconhecimento de pessoas e a nova jurisprudência do STJ

Por Renan Silva

O STJ em 03.05.2021, julgou pela quinta turma o HC n° 652284/SC[1], firmando o entendimento de que o reconhecimento fotográfico ou presencial feito pela vítima, sem a observância dos procedimentos descritos no artigo 226 do Código de Processo Penal, não é evidência segura da autoria do delito.

Isto porque o mencionado artigo de lei traz à luz etapas a serem cumpridas no momento do reconhecimento fotográfico. Porém, no inciso II, a letra da lei afirma que o reconhecido será colocado ao lado de pessoas semelhantes “se possível”. Esse simples termo trazia discussões no sentido de que caso fosse possível inserir outras pessoas ao lado do indivíduo, assim seria feito, e se não o fosse, iria se proceder com o reconhecimento apenas com o indivíduo descrito pela vítima.

No caso concreto julgado no HC n° 652284/SC, o réu acusado de roubo foi absolvido por votação unânime. O suspeito havia sido condenado em primeira e segunda instâncias a cinco anos e quatro meses de prisão, apenas com base em reconhecimento fotográfico realizado durante o inquérito policial. A conclusão do Tribunal foi, portanto, de que o reconhecimento realizado não foi de acordo com o previsto em lei, isto porque no momento do reconhecimento, não houve descrição prévia do suposto criminoso e nem foram apresentadas outras fotos de possíveis suspeitos.

Para melhor se compreender o novo entendimento firmado pelo STJ, traz-se brevemente o artigo 226 do Código de Processo Penal Brasileiro[2], que discorre acerca do procedimento para o reconhecimento de pessoas e coisas dentro do processo penal.

Primeiramente, a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento de determinado indivíduo, em determinado processo, será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida.

Em seguida, a pessoa que se pretende reconhecer será colocada, se possível, ao lado de pessoas que com ela se assemelham, e aí convida-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

A lei ressalta ainda que caso haja receio de que a pessoa que está reconhecendo não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, por motivo de intimidação ou outra influência, a autoridade irá providenciar para que o reconhecido não consiga visualizar a pessoa que está lhe reconhecendo. A lei, todavia, afirma que esta garantia não será aplicável na fase de instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Embora o Código de Processo Penal expresse esta regra desde 1941, os debates e conflitos de ideias que foram gerados anteriormente a este entendimento nunca antes, em 80 anos, impediram a condenação de um suspeito.

As dúvidas e debates na interpretação da lei resultaram na sua “má aplicabilidade”, abrindo margem a erros e injustiças. Com esse novo entendimento, a Quinta Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, se posiciona no sentido de que caso as etapas previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal não venham a ser seguidas estritamente, deverá haver uma justificativa do seu não cumprimento, podendo o magistrado invalidar o ato processual.

Por exemplo, determinada pessoa vítima de um crime irá reconhecer o indivíduo que foi anteriormente descrito como autor do ato delituoso, caso no momento do reconhecimento não estejam presentes outros indivíduos, tal fato deverá ser devidamente esclarecido e justificado, pois não seguiu o rito processual estipulado, podendo essa prova ser considerada inválida.

Consequentemente, provas obtidas através do reconhecimento fotográfico poderão ser incapazes de permitir a condenação do réu, segundo o próprio STJ, uma vez que o rito descrito no artigo 226 do Código de Processo Penal, traz um critério objetivo para a produção da prova de reconhecimento, que, caso descumprida, perderá sua total confiabilidade perante o processo.

Nota-se que com esse novo entendimento firmado pelo STJ, haverá uma maior pressão para que os reconhecimentos sejam realizados em minuciosa atenção à lei, pois uma prova dentro do processo tem seu grande valor e poder para reconhecer a autoria de eventuais crimes.

Consequentemente, o reconhecimento através deste novo entendimento se torna mais seguro, para que eventuais injustiças não venham a ocorrer, e para que indivíduos sem quaisquer vínculos com atos criminosos, não venham ser vítimas de constrangimentos por um reconhecimento mal aplicado, e assim evitando ao máximo que erros judiciários ocorram e pessoas inocentes sejam condenadas.

https://www.conjur.com.br/2021-mai-03/reconhecimento-nao-seguiu-procedimentos-previstos-cpp-nulo

[1] Disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=202100769343 acessado em 07.05.2021

[2] Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.