08
fev
2021

Reflexos do acordo de leniência para o processo penal

Por: Rebecca Rocha Santos

1 – O acordo de leniência é um instrumento extrajudicial de repressão e combate à corrupção, às práticas de concorrência desleal do mercado e abusos ao poder econômico. O referido acordo encontra-se previsto nos artigos 86 e seguintes da Lei nº 12.529/2011.

2 – Nesse contexto, as condutas lesivas à ordem econômica, regimentadas pelo direito penal econômico, que, por sua vez, tutela as atividades econômicas e visa à proteção dos interesses da coletividade, poderão ter seus reflexos estendidos para além da seara penal, como na área cível e administrativa.

3 – Derivado do latim, a palavra “leniência” (lenitate), remete brandura, suavidade. Da mesma forma, o acordo de leniência é o compromisso celebrado entre o infrator e o Estado, com a finalidade de formar, voluntariamente, o compromisso à pessoa física ou jurídica de romper com eventuais práticas que deterioram o exercício da livre concorrência ou a livre iniciativa e, ao mesmo tempo, de estabelecer medidas que conservam a regular atividades da organização infratora, propiciando a chance de continuidade das atividades de modo ético e sustentável.

4 – Assim, os autores da infração contra a ordem econômica poderão atenuar, ou até mesmo livrar-se, da sanção imposta administrativamente pelo CADE (Conselho Administrativo e Defesa Econômica), através da elaboração do acordo, que será estabelecido em processo administrativo.

5 – Isto posto, o acordo de leniência, propõe, simultaneamente, o desmonte de corrupção, de ilícitos administrativos contra à ordem econômica e a manutenção da função social da empresa ou pessoa física infratora.

6 – Outrossim, o instituto prevê a flexibilização do formalismo exigido pelo processo judicial e a concessão aos infratores à oportunidade de se disporem do benefício da redução de pena administrativa ou, inclusive, da extinção da ação punitiva da administração pública, nos termos do artigo 86 da mencionada Lei.

7 – No entanto, embora o artigo 35-C da Lei nº 10.149/2000[1] seja expresso sobre o impedimento de oferecimento de denúncia após a celebração do acordo de leniência, não há uniformidade de entendimento com relação aos efeitos do acordo.

8 – Isto pois, segundo sustentado por Anna Carolina Lamy[2], em se tratando da independência das esferas administrativas e penais, nada impede que “a determinação da Administração Pública seja rechaçada pelo Poder Judiciário no momento de seu exame da questão”. Deste modo, o Judiciário pode, inclusive, decidir de maneira contrária ao que restou definido pelo órgão administrativo.

9 – Essa problemática enseja em alarmante insegurança jurídica, vez que não há garantia de que os agentes terão a extinção de punibilidade em ambas as esferas: penais e administrativas. À vista disso, a Administração Pública também se enfraquece.

10 – Ainda, há de se questionar a produção de provas no acordo de leniência, caso posteriormente utilizada pelo Ministério Público, de modo que poderá representar violação ao princípio da não autoincriminação. Por fim, o instituto, visto que muito controvertido, deve ser adequado para que funcione em concordância aos princípios constitucionais e ao sistema processual acusatório.

 

[1] A Lei nº 10.149/2000 altera e acrescenta dispositivos à Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE em autarquia, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, e dá outras providências.

Art. 35-C. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de novembro de 1990, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

[2] Dissertação de mestrado – Acesso em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/129626. Disponível em: 08.12.2020