Por: Liz Estudino
No último mês, o Brasil enfrentou um grave episódio envolvendo bebidas adulteradas com metanol. Diversos casos de intoxicação foram registrados, principalmente em cidades do Estado de São Paulo, resultando em internações e mortes. O acontecimento reacendeu discussões jurídicas relevantes acerca da responsabilização criminal de estabelecimentos comerciais que colocam em risco a saúde pública, seja por ação direta, seja pela omissão no cumprimento de seus deveres de cuidado e fiscalização.
O metanol é uma substância química de uso industrial, altamente tóxica para consumo humano. Sua ingestão pode provocar cegueira, falência múltipla de órgãos e até mesmo a morte. Por essa razão, a sua utilização em bebidas destinadas ao consumo é proibida e, quando identificada, configura adulteração grave.
A conduta de introduzir metanol em bebidas, ou de permitir a sua circulação no mercado, encontra tipificação penal em diferentes dispositivos do Código Penal, como o artigo 272, que pune a adulteração ou falsificação de substâncias alimentícias destinadas a consumo, e pode dar ensejo à imputação de homicídio ou lesão corporal, a depender da gravidade e do nexo causal entre o produto e o resultado danoso.
No âmbito da responsabilidade dos estabelecimentos comerciais, como bares, restaurantes, distribuidoras e supermercados, a discussão jurídica concentra-se especialmente na omissão. O artigo 13, §2º, do Código Penal estabelece que o resultado também é imputável a quem tinha o dever legal ou contratual de agir para evitá-lo e não o fez.
Nessa perspectiva, os estabelecimentos assumem a posição de garantes da saúde de seus consumidores, devendo zelar pela procedência e qualidade das bebidas que comercializam.
Quando deixam de verificar a origem dos produtos, de exigir documentação fiscal e sanitária ou de atender a alertas expedidos por órgãos de vigilância, incorrem em omissão relevante, que pode equivaler juridicamente a uma conduta ativa causadora do resultado.
No caso do metanol, a responsabilização penal recai exclusivamente sobre os administradores, gestores ou responsáveis pelo estabelecimento que, por negligência, imprudência ou dolo, deixaram de fiscalizar a procedência das bebidas ou ignoraram alertas de órgãos sanitários. Cabe demonstrar que houve falha no dever de cuidado, de modo que a omissão se traduz em conduta relevante para a configuração de crimes como homicídio ou lesão corporal culposos ou dolosos, a depender da previsibilidade e do resultado dos atos.
As repercussões desse tipo de caso, no entanto, não se limitam à esfera penal.
Há consequências igualmente graves no âmbito civil e administrativo. Sob a ótica civil, os estabelecimentos podem ser condenados ao pagamento de indenizações às vítimas e a seus familiares, considerando-se os danos materiais e morais decorrentes da intoxicação ou do óbito.
Na esfera administrativa, órgãos de vigilância sanitária e de defesa do consumidor podem aplicar multas, determinar a interdição do local e até mesmo cassar o alvará de funcionamento da empresa.
A tudo isso se somam os efeitos reputacionais, talvez os mais difíceis de reparar, já que a divulgação de envolvimento em um episódio de adulteração pode levar à perda da confiança dos consumidores e inviabilizar a atividade econômica.
Mais do que um dever jurídico, a adoção de práticas de prevenção e de compliance deve ser entendida como uma necessidade de sobrevivência empresarial. Estabelecimentos que investem em procedimentos de controle de fornecedores, em auditorias internas, na guarda de documentos fiscais e em treinamentos de equipe não apenas cumprem a lei, mas também protegem seus consumidores e sua própria credibilidade no mercado.
Em tempos em que a sociedade se mostra cada vez mais vigilante em relação à segurança alimentar e sanitária, o empresariado que negligência esse aspecto não apenas expõe vidas humanas a risco, como também coloca em xeque a continuidade do próprio negócio.