Por Júlia Gonçalves Fraga
A proteção penal do meio ambiente disposto no art. 225 da Constituição Federal, é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro, refletindo a relevância constitucional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo nº 1.377, consolidou entendimento fundamental sobre a interpretação do art. 54, caput, da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), reconhecendo que o crime de poluição ambiental possui natureza formal, dispensando a comprovação de dano efetivo à saúde humana para sua configuração.
O referido artigo tipifica a conduta de “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Prevendo a pena de reclusão de um a quatro anos, além de aplicação de multa.
Ao fixar a tese, o STJ afirmou que o delito previsto na primeira parte do caput do art. 54 possui natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de danos à saúde humana para a configuração da conduta delitiva, não se exigindo a efetiva ocorrência do dano nem a realização de perícia técnica, desde que haja comprovação por outros meios idôneos.
A decisão foi orientada pelos princípios constitucionais da prevenção e da proteção ao meio ambiente equilibrado, que impõem ao Estado e à coletividade o dever de evitar riscos ambientais antes que se concretizem. Exigir a demonstração de dano efetivo, segundo o STJ, esvaziaria a função preventiva do tipo penal, especialmente em situações de risco evidente, mas ainda não consumado.
No mais, a Corte destacou que o meio ambiente é um bem jurídico autônomo e de interesse difuso, cuja tutela penal deve ocorrer mesmo diante de risco potencial, sem necessidade de concretização do resultado lesivo. Essa compreensão reforça a aplicação do princípio da precaução, que impõe responsabilização em situações de risco hipotético para proteger bens coletivos como a saúde e o equilíbrio ecológico.
Apesar do caráter formal do crime, os ministros ressaltaram a necessidade de evitar interpretações arbitrárias. Assim, a potencialidade lesiva deve ser demonstrada por elementos objetivos, capazes de evidenciar que a conduta ultrapassou o limite do tolerável e expôs terceiros a risco concreto ou potencialmente grave. Essa exigência busca garantir segurança jurídica e evitar responsabilizações indevidas.
Com a fixação da tese, o STJ uniformiza a interpretação do tipo penal e fornece parâmetros mais claros para autoridades e operadores do Direito. A decisão fortalece a coerência da atuação estatal em matéria de tutela penal ambiental e amplia a responsabilidade de agentes e empresas cujas atividades apresentem risco à saúde humana, mesmo sem dano efetivo comprovado. Na prática, isso exige maior rigor na gestão de riscos ambientais e na adoção de medidas preventivas pelas organizações.
O entendimento consolidado pelo STJ representa um avanço na proteção penal do meio ambiente, alinhando-se à lógica preventiva que permeia o direito ambiental contemporâneo. Ao reconhecer a natureza formal do crime de poluição ambiental, a Corte reafirma que a tutela do meio ambiente e da saúde humana não pode depender da ocorrência de danos irreversíveis, mas deve se antecipar a eles, garantindo efetividade ao mandamento constitucional de defesa do meio ambiente.