Por Julia Zanetti da Costa
A injúria racial é uma das formas mais graves de ofensa à dignidade humana, pois atinge diretamente a honra da vítima em razão de sua cor, raça, etnia ou origem. A jurisprudência brasileira tem buscado fortalecer a proteção contra esse tipo de conduta, reafirmando que fatores como o estado emocional ou o consumo de álcool não podem servir como justificativa para discursos discriminatórios.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Agravo em Recurso Especial n.º 2.835.056-MG, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, reafirmou que o estado de embriaguez voluntária e os ânimos exaltados não são suficientes para afastar o dolo específico exigido para a configuração do crime de injúria racial, previsto no artigo 140, § 3º, do Código Penal.
O entendimento, publicado no Informativo de Jurisprudência n.º 851, de 30 de maio de 2025, reforça que tais circunstâncias não excluem a responsabilidade penal do agente, uma vez que a embriaguez voluntária não retira a imputabilidade nem o elemento subjetivo do tipo penal.
O caso analisado envolveu uma situação em que o acusado, após ingerir bebidas alcoólicas, proferiu ofensas racistas contra um familiar, sendo inicialmente absolvido em instâncias inferiores. O Ministério Público recorreu ao STJ, sustentando que o consumo de álcool não poderia servir como excludente de responsabilidade penal, especialmente em crimes que atingem valores fundamentais como a dignidade da pessoa humana.
A discussão foi levantada em recurso que analisava a absolvição de um réu acusado de proferir ofensas racistas em meio a um episódio de violência familiar. Embora o Tribunal de Justiça local tenha entendido que a perturbação emocional e o uso de álcool retirariam a intencionalidade das injúrias, o STJ restabeleceu a condenação, destacando que a maior parte das ofensas desse tipo ocorre em contextos de acirramento emocional, com discussões ou brigas, e que isso, por si só, não elimina a vontade deliberada de ofender.
Ao examinar os autos, a Corte reconheceu que houve manifestação consciente, livre e dirigida à honra subjetiva da vítima, vinculada à cor da pele, o que caracteriza o elemento subjetivo do tipo penal. Para o relator, permitir que o descontrole emocional ou o consumo de álcool, justifique esse tipo de conduta equivaleria a abrir espaço para a impunidade, contrariando a finalidade protetiva da legislação antirracista.
O STJ reiterou que a embriaguez voluntaria não exclui a imputabilidade penal, conforme dispõe artigo 28, inciso II, do Código Penal, pois o agente, ao optar por consumir bebida alcoólica, assume o risco pelos atos que venha a praticar sob o efeito da substância. A Corte destacou que o dolo pode coexistir com a embriaguez, desde que reste comprovada a intenção de atingir a dignidade ou o decoro da vítima.
Essa decisão acaba por seguir a linha do entendimento firmado em julgados anteriores, nos quais o Tribunal tem reforçado a distinção entre a ausência de dolo e a mera alegação de descontrole emocional. O objetivo é evitar que discursos discriminatórios sejam relativizados por fatores subjetivos, mantendo firme o compromisso com a efetividade da tutela penal contra o racismo.
A decisão reforça o entendimento de que o combate à injúria racial exige não apenas o reconhecimento da gravidade do ato, mas também a responsabilização efetiva de quem o pratica, independentemente do contexto emocional ou do uso de álcool.
Em síntese, o Brasil é um país marcado por desigualdades estruturais, deixando clara a mensagem do STJ, reforçando que nenhuma forma de discriminação pode ser tolerada sob o manto de justificativas emocionais ou momentâneas.