06
dez
2022

As cooperações jurídicas internacionais e a corrupção transnacional

Por Rafaela Azevedo de Otero

Apesar da Globalização não ter uma definição consensual e universalmente aceita, não há dúvidas de que o mundo mudou. Tornou-se mais “aproximado”, o que trouxe consequências nas práticas criminosas e no próprio direito, entre elas, a intensificação dos crimes transnacionais, que exigem que as estruturas policiais e judiciais desenvolvam um trabalho com maiores conexões. Para isso, desenvolvem-se as chamadas cooperações jurídicas internacionais.

A Cooperação Jurídica Internacional é o instrumento por meio do qual um Estado, para fins de procedimento no âmbito da sua jurisdição, solicita outro Estado medidas administrativas ou judiciais que tenham caráter judicial em pelo menos um desses Estados. Portanto, pode ser entendida como um modo formal de solicitar a outro país alguma medida judicial, investigativa ou administrativa necessária para um caso concreto em andamento.

Em nosso ordenamento jurídico, a cooperação jurídica internacional encontra permissivo constitucional no artigo 4º inciso IX, da Constituição Federal, no qual se prevê a cooperação entre os povos, enquanto princípio norteador das relações internacionais a serem empreendidas pelo Brasil.

É exercida pelos Estados com base em acordos bilaterais, tratados regionais e multilaterais e com base na promessa de reciprocidade. O Brasil é parte de uma ampla gama de acordos e tratados e, também, coopera mediante promessa de reciprocidade em casos análogos por parte do Estado estrangeiro. Por meio desses instrumentos internacionais, o Brasil não apenas adquire o direito de solicitar cooperação jurídica aos outros Estados Partes, como também se compromete a cumprir os pedidos que recebe desses países.

Hoje, já se encontra estabelecido que existe um dever internacional na prestação de assistência penal. Dita afirmação manifesta-se, claramente, nos recentes tratados da Organização das Nações Unidas (ONU) que abordam a questão dos delitos transnacionais, como nas Convenções de Palermo e Mérida, dos quais todos os países do Mercosul são signatários.

A questão acerca das práticas corruptivas em negócios internacionais passou a ser objeto de discussão em 1975 pelas Nações Unidas, através da Resolução 3514 da Assembleia Geral, condenando todas as práticas corruptivas, incluindo a corrupção nas transações internacionais.

Assim, a corrupção começa a ser incluída nos tratados e acordos internacionais, se tratando pela primeira vez em assunto a ser debatido em âmbito internacional. Começa-se um movimento de internacionalização no combate à corrupção, uma vez que a sua prática ultrapassa os limites do Estado, configurando-se em um fenômeno mundial.

O Brasil ratificou três Tratados Internacionais que prevêem a cooperação internacional no combate preventivo/repressivo a corrupção (Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (OCDE), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e Convenção Interamericana contra a Corrupção), nos quais se obrigou a adequar a legislação interna aos delitos e práticas contra a corrupção.

Assim, a partir da década de 90, o Brasil promulgou diversas leis sobre os delitos de lavagem de dinheiro, corrupção, improbidade administrativa, entre outras, as quais podemos destacas: Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8429/1992), Lei das Licitações (Lei 8.666/1993), Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1993), Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) e Lei Anti Crime que alterou o Código Penal e o Código de Processo Penal.

A criação destes tratados para combater os crimes transnacionais, entre eles, a corrupção, dá ênfase na descoberta de lavagem de dinheiro. Torna-se indispensável localizar os valores ilícitos para com isso, identificar as organizações criminosas.

Seguindo o mesmo caminho de outros países, no Brasil é deflagrada a maior Operação já realizada, que é a Operação Lava Jato, que possibilitou a identificação de vários criminosos de colarinho branco e na recuperação de valores depositados no exterior.

Para isso, a Força Tarefa utilizou-se de forma muito expressiva das cooperações internacionais entre os países, obtendo muito sucesso em sua empreitada. No entanto, mesmo com o sucesso da Operação, foram reveladas várias ilegalidades para a busca de provas, muitas delas envolvendo cooperações internacionais.

Portanto, constata-se que, as provas produzidas em cooperações internacionais, se produzidas violando os limites materiais e formais, bem como as garantias fundamentais do indivíduo, estão sujeitas a serem declaradas nulas, o que pode gerar a anulação de inúmeras condenações na Operação Lava Jato e ocasionou o próprio fim da operação. E mesmo que não sejam anuladas, as provas tornam-se suspeitas, juntamente com quem participou da produção. O interesse no combate aos crimes transnacionais não pode se sobrepor ao devido processo legal, sob pena de inutilizar todo o processo.