Por Gabriela de Matos Costa Pinto
Com o avanço e desenvolvimento da tecnologia, que atualmente permeia todas as relações que estabelecemos com o mundo, tornou-se mais frequente e acessível a utilização desses meios para produzir provas no Direito. Deste contexto, surge a dúvida: Uma gravação de conversa feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, pode ser utilizada como prova em um processo penal?
Primeiramente, para responder tal questionamento, é necessário fazer uma distinção entre os conceitos da chamada ”gravação clandestina” e da interceptação telefônica. Enquanto o primeiro refere-se ao registro de uma comunicação entre duas ou mais pessoas, captado por uma delas (ou por um terceiro, com seu consentimento, podendo também ser denominada gravação ambiental), sem que um dos envolvidos saiba, a interceptação telefônica pressupõe o registro realizado por um terceiro, autorizado judicialmente, com o objetivo de captar as mensagens trocadas entre os interlocutores, sem o conhecimento destes.
Além disso, importa registrar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos X e XII, assegura o direito à privacidade, bem como a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. Dessa forma, tem-se que a legalidade das gravações clandestinas é frequentemente questionada à luz desse princípio.
Em face do apresentado, portanto, entende-se que o uso de gravações clandestinas suscita questionamentos éticos quanto ao respeito à privacidade e à intimidade das pessoas. A clandestinidade da captação pode ser interpretada como uma violação dos direitos fundamentais dos indivíduos, gerando dúvidas sobre a licitude desse meio de obtenção de prova.
Do ponto de vista jurídico, entretanto, a admissibilidade das gravações clandestinas como prova foi instituída legalmente com a introdução do artigo 8º-A, §4º, da Lei 9.296/96, que evidencia a licitude deste meio de prova restrito ao exercício do direito de defesa, vedando, assim, a sua utilização como prova de acusação.
Este entendimento restrito, no entanto, não prevalece entre a doutrina e a jurisprudência que, no exercício do Direito Penal, ampliou sua compreensão para admitir a gravação clandestina nos casos em que ela se encontra revestida de justa causa, independente de importar à defesa ou à acusação, desde que observado devidamente o juízo de proporcionalidade.
É preciso, ainda, para que essa prova seja admitida como lícita, que a gravação não possua causa legal de sigilo ou de reserva de conversação, hipóteses em que o registro da comunicação é ilegal por sua própria natureza, nos termos do artigo 5º, inciso XXIILVI, da Constituição Federal.
Este tema, em face da sua relevância e aplicabilidade, foi tese de repercussão geral (Tema 0237), tendo sido adotada a posição que admitiu a validade da prova obtida por meio de gravação clandestina (gravação ambiental), sem, no entanto, restringir seu objetivo no processo, conforme expõe:
“Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida.
Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, com repercussão geral.)
Ainda, em defesa dos direitos fundamentais já mencionados, a conclusão do debate se deu pelo entendimento de que a gravação clandestina, por si só, não fere o direito fundamental à privacidade, sendo somente a divulgação deste conteúdo que promoveria tal violação. Este aspecto, no entanto, ainda gera discordâncias e debates, tendo em vista que o direito à prova e à privacidade entram em embate neste contexto.
Outro aspecto importante que surge deste tema é que a admissibilidade das gravações clandestinas como prova enfrenta desafios quanto à sua autenticidade e integridade. Dessa forma, muitas vezes é suscitado que tais gravações podem ser manipuladas, editadas ou descontextualizadas, colocando em xeque a sua credibilidade como prova válida em um processo penal, razão pela qual a lei que as admitem, também dispõe acerca da necessidade da sua integridade para que seja válida e lícita.
Assim, diante das divergências éticas e jurídicas, a questão da gravação clandestina de conversa como meio de prova no Direito Penal brasileiro demanda uma análise aprofundada e uma possível revisão legislativa no que concerne à proteção de direitos fundamentais. É necessário, portanto, equilibrar a busca pela verdade processual com a preservação dos direitos individuais e a manutenção da integridade do sistema jurídico. A discussão sobre a admissibilidade dessas gravações deve ser pautada por princípios constitucionais, éticos e jurídicos, visando garantir a justiça e a equidade no âmbito do Direito Penal brasileiro.