21
jul
2020

Falsidade ideológica – É crime mentir no currículo?

O Código Penal Brasileiro, em seu dispositivo legal 299, tipifica a conduta de “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, como crime de falsidade ideológica, com pena prevista em reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa  caso o documento seja particular.

Nesse sentido, para que a consumação do crime se concretize, é necessário observar alguns aspectos: (i) o documento deve ser verdadeiro, ao mesmo tempo que a falsidade ou fraude esteja presente em seu conteúdo; (ii) a finalidade da falsidade deve ser de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

É de suma importância ressaltar que, mesmo tratando-se de crime formal, a fraude no conteúdo deve ser juridicamente relevante e ter o potencial de prejudicar direito de terceiro.

Em dias recentes, o crime de falsidade ideológica entrou em pauta quando o então ex-Ministro da Educação Carlos Alberto Decotelli da Silva, cujo mandato durou poucos dias, inseriu em seu currículo lattes declaração falsa a respeito de sua formação acadêmica. Em razão disso, um debate foi gerado no sentido de se constatar se o ato do ex-Ministro configurou crime ou não.

Para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 81.451 – Rio de Janeiro[1], em 2017, decidiu pela impossibilidade de responsabilizar criminalmente por crime de falsidade ideológica o indivíduo que insere declaração falsa em seu currículo lattes. A nobre Corte, em seu entendimento, declarou que o currículo lattes não pode ser considerado documento, pois carece de características importantes para tal.

Para fins de melhor compreensão da referida característica, segue entendimento proferido pela ilustre relatora Ministra Maria Thereza De Assis Moura:

“1 – Documento digital que pode ter a sua higidez aferida e, pois, produzir efeitos jurídicos, é aquele assinado digitalmente, conforme a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

2 – O currículo inserido na página digital Lattes do CNPq não é assinado digitalmente, mas decorrente da inserção de dados, mediante imposição de login e senha, não ostentando, portanto, a qualidade de “documento digital” para fins penais.

3 – Além disso, como qualquer currículo, material ou virtual, necessita ser averiguado por quem tem nele tem interesse, o que, consoante consagradas doutrina e jurisprudência, denota atipicidade na conduta do crime de falsidade ideológica.”

Portanto, conforme exposto, o ex-Ministro não praticou um ato ilícito ao inserir a referida declaração falsa. Em que se pese o constante no artigo que tipifica a falsidade ideológica, pode-se afirmar que sua conduta não está sujeita a receber algum tipo de sanção. Porém, aos olhos da sociedade tal ato não passa despercebido, e Carlos Alberto Decotelli renunciou ao seu mandato apenas cinco dias depois de assumir o cargo.

[1] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/494384691/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-81451-rj-2017-0043808-8/inteiro-teor-494384709

(STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017)

Fuad Rassi Neto