Por Rafaela Azevedo de Otero [1]
O caso envolvendo o ex-jogador Robinho provocou muita controvérsia e polêmica e entre nós, mulheres e principais vítimas de crimes sexuais, há uma tendência a concordar com a transferência da pena para o Brasil e consequentemente com a sua prisão.
No entanto, como advogadas criminalistas, é crucial deixarmos de lado o mérito dos fatos e analisarmos a legalidade do cumprimento da pena imposta no exterior aqui no Brasil, especialmente pelo fato de o réu ser brasileiro nato. E é isso que faremos neste artigo: explicar a cooperação jurídica internacional e as mudanças no cenário mundial trazidas pela globalização, para então chegarmos aos motivos da decisão de homologação da sentença proferida pelo STJ.
O Desenvolvimento das Cooperações Internacionais
As cooperações internacionais para fins penais existem há séculos, porém, era um tema pouco discutido em virtude de questões relativas à soberania e os princípios territoriais de aplicação das leis penais.
As nações poderosas não demonstravam preocupação em manter relações de cooperação com outros países e, quando necessário, recorriam à força para impor sua vontade sobre o outro Estado. Foi somente a partir do século XIX, com as mudanças provocadas pela internacionalização das sociedades, que começaram a serem tratadas as questões referentes ao auxílio entre Estados em matéria penal e a aplicação de normas penais extraterritoriais.
No entanto, foi com a globalização da economia e os avanços tecnológicos que houve intensificação das interações transnacionais. O mundo está menor, interligado física e eletronicamente, globalizado. Os reflexos de todos esses acontecimentos são inúmeros. A diminuição das distâncias tem permitido um amplo e dinâmico inter-relacionamento não apenas no plano interestatal ou intergovernamental, mas também na esfera privada, entre indivíduos, grupos de indivíduos e empresas de diferentes nacionalidades, o que trouxe reflexos também no processo penal.
Com a aproximação dos países e facilidades de locomoção, as modalidades criminosas se diversificaram. Os crimes não são mais restritos a territórios geográficos delimitados, envolvem diversos países, valores e pessoas, o que fez surgir o conceito de crimes transnacionais, que são aqueles que ultrapassam a fronteira de um Estado e exigem que as estruturas policiais e judiciais desenvolvam um trabalho com maiores conexões.
Consequentemente, a partir do final do século XX e início do XXI, os países que antes eram rigorosos em cooperar com outros Estados precisaram desenvolver suas relações internacionais e, então, cooperar para o combate de crimes cometidos por grupos organizados, crimes de tráfico de drogas, terrorismo, exploração sexual, tráfico de pessoas e animais.
Com isso, desenvolve-se a Cooperação Jurídica Internacional, que é o instrumento por meio do qual um Estado, para fins de procedimento no âmbito da sua jurisdição, solicita a outro Estado medidas administrativas ou judiciais que tenham caráter judicial em pelo menos um desses Estados. Ou seja, um modo formal de solicitar a outro país alguma medida judicial, investigativa ou administrativa necessária para um caso concreto e é exercida pelos Estados com base em acordos bilaterais, tratados regionais e multilaterais e com base na promessa de reciprocidade.
Hoje, já está estabelecido que existe um dever internacional na prestação de assistência penal, como é possível verificar nos recentes tratados da Organização das Nações Unidas (ONU) que abordam a questão dos delitos transnacionais, como nas Convenções de Palermo e Mérida, das quais o Brasil é signatário[2].
Ao mesmo tempo, com a aproximação entre as pessoas e as facilidades de comunicação advinda da internet e das redes sociais, crimes que antes eram somente conhecidos nos países em que ocorreram, tornam-se públicos quase imediatamente em todo mundo, sendo impossível para os países alegarem o desconhecimento de atos cometidos por seus nacionais no exterior. Em outras palavras, a era da informação trouxe consigo não apenas a disseminação veloz de conhecimento, mas também a responsabilidade global em lidar com as consequências de atos ilícitos perpetrados para além das fronteiras nacionais.
Vejamos o caso do ex-jogador e hoje técnico Cuca. Em 1987, ele foi detido sob acusação de ato sexual com uma menor de idade na Suíça. No entanto, apenas recentemente, em sua curta passagem pelo Corinthians, esses acontecimentos vieram à tona e se tornaram conhecidos pelo público em geral. Ressalte-se que não estamos discutindo o mérito dos fatos, mas apenas demonstrando a diferença do tratamento do assunto ao longo de cerca de 30 anos.
O caso Robinho tornou-se público logo após o crime ocorrido em 2013 e o seu retorno para o Brasil em 2014 foi visto como uma tentativa de escapar da aplicação da lei penal italiana, já que o Brasil em seu artigo 5º, LI prevê que “nenhum brasileiro será extraditado”.
No entanto, diante da experiência internacional positiva nas cooperações internacionais para fins penais, elas passam também a se desenvolverem para outros crimes que não os transnacionais, como crimes que envolvam direitos humanos, crimes contra a vida e a dignidade de indivíduos, como são os delitos sexuais, cometidos por nacionais no exterior ou vice-versa.
Além disso, se antes as cooperações jurídicas internacionais eram limitadas a pedidos de extradições, outras modalidades começaram a ser desenvolvidas e utilizadas, inclusive para nacionais que cometerem crimes no exterior, como a transferência de processos e de execução.