26
set
2025

O papel do COAF diante da sobrecarga no combate à lavagem de dinheiro

Por João Vitor Moreira Michelin

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), vinculado ao Banco Central, é a principal instituição brasileira responsável por identificar e monitorar movimentações financeiras suspeitas, desempenhando um papel estratégico no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Ele também possui poder regulatório e sancionador, conforme dispõe o artigo 14 da Lei nº 9.613/1998.

Sua importância decorre de uma tendência global de vigilância dos dados financeiros, a fim de coibir e prevenir práticas ilegais no sistema financeiro transnacional, ele age como uma central de filtragem das movimentações financeiras atípicas noticiadas por entidades obrigadas, como bancos, corretoras, imobiliárias, administradoras de cartão, cartórios, casas de câmbio, loterias, empresas de criptomoedas, entre outros, para produzir relatórios de inteligência financeira (RIFs) e comunicar às autoridades quando conclui haver indícios de crimes financeiros.

Contudo, recentemente, o encerramento de um sistema eletrônico utilizado por mais de duas décadas para gerenciar informações sinalizou uma necessidade urgente: modernizar as ferramentas tecnológicas e reforçar a estrutura do órgão. A crescente complexidade das transações financeiras, aliada à alta demanda de casos, tem colocado o COAF diante de desafios que não podem mais ser enfrentados com mecanismos obsoletos.

Afinal, são dados financeiros intrincados fornecidos por instituições financeiras que movimentam os ativos da 10ª maior economia do mundo! Segundo o Jornal de Brasília, em 2024, o órgão recebeu cerca de 7,5 milhões de comunicações de operações financeiras suspeitas, o que representa em média, 20 mil alertas por dia.

A estrutura de pessoal e tecnologia não tem acompanhado essa escalada, porque o Conselho conta com aproximadamente 100 funcionários, sendo que apenas nove analistas são responsáveis por avaliar as milhões de operações comunicadas e decidir se há indícios suficientes de crime para reporte às autoridades. Como consequência, estima-se que somente 3% das comunicações acabam sendo efetivamente repassadas às polícias e ao Ministério Público, por conter indícios claros de ilícitos. Ressalta-se: isso não significa que 97% sejam alarmes falsos, mas que a capacidade de filtragem é bastante dificultosa.

Esse cenário gera preocupações não apenas no âmbito administrativo, mas também no campo jurídico e penal, já que eventuais falhas no monitoramento podem impactar investigações criminais, dificultar a responsabilização de agentes e enfraquecer a prevenção de ilícitos.

Do ponto de vista da responsabilização penal, atrasos no COAF podem até redundar na prescrição de crimes, em casos extremos, conforme disposto no artigo 109 do Código Penal. Afinal, caso a comunicação de indícios chegue tarde demais para que o Ministério Público possa provocar a instauração de uma investigação – que costuma durar anos – torna-se inviável oferecer uma denúncia bem amparada por elementos probatórios dentro do prazo legal.

Embora delitos contra o patrimônio, como o estelionato (art. 171 do Código Penal), com pena máxima de cinco anos, e contra o sistema financeiro nacional, como a lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/1998), com pena de até dez anos, tenham prazos prescricionais relativamente longos, a lentidão nos trabalhos do órgão compromete a eficácia da persecução penal e, na maioria das vezes, impossibilita a tomada de providências urgentes, como o bloqueio de ativos financeiros.

A limitação de recursos também obriga o COAF a priorizar grandes operações de lavagem em detrimento de ilícitos de menor vulto, o que, embora esteja em consonância com o princípio jurídico administrativo da eficiência, deixa lacunas na repressão de crimes que movimentam menos ativos financeiros.

Do ponto de vista legislativo, seria relevante garantir um orçamento mínimo ao órgão, bem como aprimorar a segurança jurídica de sua atuação. Nesse ponto, destaca-se a análise feita por Liz Estudino em artigo sobre o Tema 1440 do STF, que debate o tema ainda inconcluso de compartilhamento de RIFs sem autorização judicial, o que evidencia a importância da promulgação de leis claras, que disciplinem o modus operandi do COAF, sob pena de que seu trabalho seja invalidado por ausência de previsão legal.

Em conclusão, o fortalecimento do COAF não é apenas uma questão operacional. Trata-se de compromisso com a integridade e a credibilidade do sistema financeiro nacional e com a efetividade das políticas de prevenção e repressão aos crimes econômicos. Investir em recursos humanos, tecnologia e integração institucional é essencial para que o país enfrente formas de criminalidade cada vez mais sofisticadas e que transcendem as barreiras nacionais, adicionando à exemplar atuação do órgão as possibilidades materiais para que protagonize com cada vez mais pujança o combate aos crimes financeiros.