22
abr
2024

Parâmetros para imputação de dolo eventual aos agentes de crimes cometidos no trânsito – Parte 2

Sobre as modalidades de culpa e a Culpa Consciente

Por João Vitor Moreira Michelin

Dando continuidade ao tema da culpa e adentrando suas modalidades (negligência, imprudência e imperícia), estamos tratando das formas de manifestação da falta de cuidado objetivo já referida na primeira parte desta série, ou seja, as modalidades pelas quais se manifesta a ausência das cautelas necessárias para que o agente não prejudique nenhum bem jurídico.

A seguir, segue breve conceituação de cada uma destas formas de manifestação, para que o leitor possa conjecturar sobre a aplicação delas aos processos e exemplos de trânsito que serão apresentados dentro das próximas semanas:

Imprudência: segundo Aristóteles, consiste na capacidade humana de deliberar sobre as ações e escolher, racionalmente, a prática mais adequada à finalidade ética, ao que é bom para si e para os outros. Por exemplo: o indivíduo míope que dirige sem utilizar óculos ou lentes de contato.
A negligência seria a inércia psíquica em tomar as cautelas exigíveis para coibir resultados eventualmente antijurídicos. Geralmente, tem uma aplicação/adequação mais passiva que a imprudência, como quando se coloca tóxicos ao alcance de crianças muito novas.
A imperícia consiste na incapacidade de realizar determinado ato nos limites do razoável. A punição desta modalidade da culpa se dá pelo conhecimento, pelo agente, de que sua perícia não era suficientemente pujante para prevenir resultados indesejáveis. A título de exemplo, pode-se imaginar um indivíduo sem formação médica alguma que queira realizar um procedimento cirúrgico.

Pois bem, uma vez expostos o conceito e as modalidades de culpa, reconhece-se sua importância para a reflexão sobre os crimes de trânsito. Afinal, a maioria desses delitos são culposos e ocorrem quando o condutor não tem intenção de causar lesão a qualquer bem jurídico, mas suas ações negligentes, imperitas e/ou imprudentes acabam por causar resultado antijurídico. Desta feita, relevantíssima é a distinção entre culpa inconsciente e consciente, que será abordada abaixo.

Pois bem, quando da condução de um veículo, ou mesmo transitando na via pública, ações como atravessar fora da faixa em via movimentada, acelerar além do limite de velocidade em área escolar, mesmo em horário incompatível com a movimentação de estudantes pode resultar em acidentes.

O condutor, nestas situações, espera realizar um exame de probabilidade, em que aufere as chances de sua transgressão ao Código de Trânsito resultar em acidente.

Pois bem, sendo o condutor treinado pelo CFC, obrigatório para obter a carta de habilitação, presume-se que saiba dos riscos envolvidos em ultrapassar os limites da Lei. Por isso, a maioria dos crimes de trânsito são culposos, na modalidade consciente.

Pois bem, a culpa consciente, segundo a doutrina pátria, é configurada quando o agente, ao praticar uma conduta delituosa, tem plena consciência dos riscos envolvidos, mas acredita que conseguirá evitá-los. Se diferencia da culpa inconsciente justamente pela necessidade de previsão do resultado.

Para determinar se o resultado era previsível, são subsumidos os fatos da situação concreta (em que se conduzia o veículo) a um sujeito imaginário, inevitavelmente ideal, resultante da reconstrução do estado psicológico do autor no momento da consumação do crime.

Todas estas informações são acessadas pelas provas carreadas nos autos, ou seja, depoimentos, fotos, vídeos, laudos, entre outros. Há, portanto, a conjunção das informações de que o autor dispunha no momento da prática do crime e/ou atos preparatórios.

Sobre o tema, nos ensina o Dr. Marco Antonio Terragni:

“Em primeiro lugar, lembrar que essa palavra expressa a possibilidade de prever, não se refere à previsão concreta. Em segundo, a previsibilidade se relaciona àquilo que um homem ideal, em igualdade de condições, poderia prever. Esse conceito, homem ideal, não se refere ao ser comum, como o modelo das qualidades de que está dotado o cidadão médio. O homem modelo é aquele que deveria estar realizando a mesma atividade do sujeito cuja conduta se julga. O contrário implicaria desconhecer que alguém, por mais atento, diligente ou cauteloso que fosse, não poderia realizar atividades para as quais não está especialmente treinado (como pilotar uma aeronave, por exemplo)” (El delito culposo, p. 24)

Ou seja, ainda que se trate de resultado previsível, o autor, por conduta negligente, imprudente e/ou imperita, causa o resultado do crime sem a intenção de fazê-lo, acreditando ser capaz de evitá-lo. Nisto consiste a culpa consciente.

No âmbito jurisdicional, portanto, demonstra-se que o agente estava em condições de antever, com alguma margem de certeza, as consequências adversas que poderiam resultar de suas transgressões. Como o Código de Trânsito Brasileiro é público e os condutores habilitados foram treinados para obedecer ao dever objetivo de cuidado ao conduzir ou transitar, é comum reconhecer a culpa consciente no âmbito jurisdicional.

Por fim, a diferença entre culpa consciente e inconsciente será indispensável para compreender sobre o dolo, especialmente na sua modalidade eventual, de que a culpa consciente se distingue ligeiramente e sobre os quais informaremos nas próximas semanas.