O direito de defesa é um dos pilares fundamentais do processo judicial, garantindo a qualquer indivíduo acusado de um crime a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos e contestar as acusações nas formas da Lei. Este princípio está consagrado na Constituição Federal, Art. 5º, inciso LV, que assegura: “ aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Esse dispositivo não prevê expressamente o direito ao duplo grau de jurisdição. Entretanto, engloba-o de forma implícita, consonante com o democrático de direito e o modelo acusatório do processo penal.
No Direito Penal, o direito de defesa é especialmente manifestado pelo patrono judicial, que é imprescindível. Sem ele, não há como o acusado se manifestar no processo. O artigo 261 do Código de Processo Penal, por exemplo, estabelece que “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Já o artigo 263 dispõe que “Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação”. Isso demonstra a importância que o legislador atribui à presença de um defensor habilitado para assegurar a integridade do processo penal, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da súmula 523: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
O defensor técnico, como o próprio nome descreve, aplica as técnicas que asseguram os direitos do acusado durante o inquérito policial e a persecução penal. O advogado objetiva garantir que seu cliente tenha direito à ampla defesa, que é consubstanciada, entre outros elementos, na prática do contraditório (de contrarrazoar os argumentos da acusação). PELLEGRINI GRINOVER explica que “defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (…) que brota o exercício da defesa, mas é essa (…) que garante o contraditório”. O exercício do defensor começa ao obter informações sobre o processo criminal que tramita em face de seu cliente e só terminará quando todos os recursos pertinentes se esgotarem.
Portanto, é muito importante a filiação do acusado a um defensor que esteja ciente de todos os direitos e prerrogativas de seu cliente, para que se disponha de todos os artifícios penais e processuais penais que possam lhe conceder um julgamento justo e, na medida do possível, favorável, desde a instauração de inquérito policial até a persecução penal e eventual júri. Institutos e Princípios como o in dubio pro reo, efeito prodrômico da sentença, presunção de inocência, inadmissibilidade de certas provas, direito de não produzir provas contra si, justa causa, ne bis in idem, segurança jurídica, entre outros.
O juiz, nessa dinâmica, é o verdadeiro saneador do processo. Afinal, como indivíduo imparcial (que não constitui nenhuma das partes) e impessoal (não prefere nenhuma das partes) deve dar às partes as oportunidades que lhes cabem, de forma equitativa, durante a produção de provas, elaboração de manifestações e recursos. Trata-se do que Aury Lopes Jr. Chamaria de “igualdade cognitiva”, isto é, “que o juiz esteja colocado em tal lugar que lhe permita tratar as partes com igualdade de atenção e captura psíquica”. Caso não seja garantido o direito de defesa, portanto, o magistrado deve ser questionado e, se os erros persistirem, as instâncias superiores devem ser provocadas a resolver a questão de supressão do direito de defesa.
Como representativo da importância de observar dos princípios do processo penal desde sua gênese, há a recente decisão no REsp n° 2.139.075, exarada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior. Tratava-se de uma condenação por tráfico de drogas, na qual os indivíduos teriam sido abordados pela polícia em “uma localidade altamente conhecida pla intensa prática de tráfico de drogas” e, quando da abordagem, os policiais “explicaram terem notado os apelantes nervosos durante a conversa realizada na abordagem, o que seria natural para quem transportava dois “tijolos” de maconha no carro, além de se declararem usuários de drogas”.
A partir do relato dos policiais, o advogado constituído soube que a abordagem era ilegal, pois a suspeita dos policiais se baseou em premissas subjetivas, como um suposto nervosismo dos indivíduos. Por isso, impetrou Habeas Corpus, expondo os fatos aos Julgadores da instância superior. Com isso, objetivava o reconhecimento da ilegalidade cometida pelos policiais e a consequente decretação de soltura de seus clientes- presos indevidamente em flagrante delito.
Foi pela via recursal escolhida pelo defensor que seus clientes alcançaram a liberdade da forma mais célere possível. Com isso, o Ministro Sebastião Reis Jr., amparado em jurisprudência do próprio STJ, entendeu que não houve justa causa para a abordagem, o que caracterizou a ilegalidade da busca pessoal e no veículo. Afinal, estaria ausente o elemento da “fundada suspeita”, que consiste na explicitação dos elementos objetivos que ensejam e fundamentam a necessidade de uma abordagem policial.
Esse tipo de abordagem é comum e, por muitas vezes, os Tribunais Regionais não decidem de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Isso leva à provocação dessas instâncias fiscalizadoras constantemente pelos advogados. Num caso análogo, o advogado teve de recorrer até a Suprema Corte Brasileira para reconhecer o direito de liberdade de seu cliente: o Ministro da Suprema Corte Brasileira, Edson Fachin, quando do julgamento do Habeas Corpus n° 175.038, também entendeu pela necessidade de os policiais explicitarem os critérios objetivos que, no dia da abordagem, convenceram os policiais da “fundada suspeita” de seus clientes:
“Em contrapartida, o chamado “sexto sentido”, por derivar de construção meramente subjetiva e empiricamente não demonstrável, não se amolda aos contornos de flagrância indicados pelo Código de Processo Penal e por isso não se presta a autorizar o ingresso em domicílio. Nessa categoria também se situa a “atitude suspeita”, que por denotar convicção íntima do agente que acompanha a diligência, não pode, como já se pontuou, ser compreendida como motivação suficiente à caracterização do flagrante delito.”
Caso o juiz responsável pela instrução tivesse identificado esse vício desde o início, todo trabalho posterior das partes e julgadores que atuaram no caso teria sido poupado, em respeito à celeridade processual e segurança jurídica. Daí a necessidade de defensor insistir, nos momentos propícios e por meio das vias mais adequadas, nos elementos que garantem nulidade ao processo, para influir num juízo de mérito justo e célere e do Juiz do caso observar os pormenores do caso concreto, aplicando o entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores.
Em conclusão, o direito de defesa é essencial para assegurar a integridade do sistema jurídico, garantindo que todas as partes envolvidas em um processo penal possam apresentar suas versões e contestar as acusações de maneira justa e equilibrada. Sem a garantia do direito de defesa, que deve ser constantemente mantido pelo Juiz e o defensor técnico, quem está responsável por auxiliar a parte mais frágil, o risco de erros judiciais e de injustiças aumenta significativamente, comprometendo a segurança jurídica geral do judiciário pátrio. Portanto, é fundamental que este direito seja respeitado e assegurado desde a fase investigativa (policial), conforme preconizado pela Constituição Federal, pela legislação infraconstitucional e pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Bibliografia
Supremo Tribunal Federal. Súmula 523. Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=2729. Acesso em: 05 ago. 2024.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo. Saraivajur, 2022.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 2.139.075. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp+2139075&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO. Acesso em: 05 ago. 2024.
Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 175.038. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5761533. Acesso em: 05 ago. 2024.