Tema bastante corriqueiro é a inserção de drogas em contêineres objetivando o tráfico internacional. Via de regra existem operações policiais para tentar coibir essa modalidade de crime, organizado e estruturado. Com o poderio das organizações criminosas, é comum existirem esquemas bastante complexos para o desenvolvimento da empreitada ilegal. A dúvida que fica é: até que ponto a empresa pode vir a ser responsabilizada criminalmente quando isso acontece?
Normalmente, o golpe começa com a clonagem de códigos dos lacres, para que se possa violar os contêineres e dentro deles colocar drogas, sem despertar suspeitas.
O esquema prossegue por intermédio de caminhoneiros, integrantes da organização criminosa, e de funcionários do porto, que mormente são corrompidos, para que a droga possa ingressar no terminal portuário dentro das cabines dos caminhões. O veículo então desvia da rota inicialmente programada, aproxima-se do contêiner de interesse da organização criminosa e ali é rompido o lacre com a numeração original.
Depois de fechado com o lacre clonado, mas com numeração original, o contêiner é enviado para várias partes do mundo, principalmente a Europa, sem levantar suspeitas sobre a carga dentro dele colocada. Salientamos que, quando um contêiner entra no canal portuário, ele passa por um scanner de alta tecnologia, monitorado pelos funcionários do porto e pela Receita Federal. Quando, a princípio, não existe nenhuma carga suspeita, ele já é considerado fiscalizado.
Logo, as quadrilhas esperam que eles passem pelo scanner para depois que já estiverem próximos ao embarque no navio, ser feita a contaminação, com a violação do lacre original e a colocação do segundo lacre, falsificado e idêntico.
Ou seja, há uma gama de pessoas envolvidas, de diferentes assunções de responsabilidades no campo penal. Pela dicção do artigo 13, do Código Penal – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Ou seja, há um série de etapas documentais a serem verificadas visando evitar o crime, tais como:
– A integridade dos documentos apresentados;
– A exatidão e a correspondência das informações prestadas na declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem, inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria;
– O cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar correspondente aos regimes aduaneiros e de tributação solicitados.
– O mérito de benefício fiscal pleiteado.
– A descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta classificação fiscal
– A indicação da Nomenclatura de Valor Aduaneiro e Estatística – NVE.
Verificação física da mercadoria:
– Por amostragem de volumes e embalagens, na forma disciplinada administrativamente;
– Com auxílio de perícia para identificação e quantificação da mercadoria;
– Utilizando relatório ou termo de verificação lavrado pela autoridade aduaneira do país exportador;
– Utilizando relatórios e termos de verificação lavrados por outras autoridades, na fase de licenciamento das importações;
– Utilizando registros de imagens das mercadorias, obtidos por câmeras ou por meio de equipamentos de inspeção não-invasiva;
– Fora do Recinto Alfandegado, nos termos e condições do art. 35 da IN SRF nº 680/2006.
Para haver uma suposta omissão imprópria, deve-se saber qual o dever jurídico violado, ou seja, o dever de conduta que haveria de ser adotado concretamente, para que o bem jurídico tutelado fosse preservado de riscos e lesões. Ou seja, se a empresa foi de alguma forma leniente, para a realização do tráfico, seria perfeitamente aplicável o comando do artigo 13.
As condutas comissiva ou omissiva derivam da vontade humana e remetem a um resultado. É de interesse do direito penal, portanto, a violação do bem jurídico tutelado como resultado da ação ou inação.
A omissão, como elemento jurídico penal, compreende comportamentos passivos capazes de produzir consequências jurídicas. Representa, assim, uma passividade configuradora de ilícito ao afetar, direta ou indiretamente, o bem jurídico.
A posição de garantia decorre do estreito vínculo existente entre o omitente e o bem jurídico protegido. Porém, não basta que o autor esteja na posição de garantia, é preciso que tenha a capacidade de ação para evitar o resultado.
Como nos crimes omissivos impróprios não há um nexo naturalístico de causalidade, a omissão, o resultado, a capacidade e a possibilidade de agir, bem como a efetividade da ação omitida no impedimento do resultado fazem as vezes do nexo de causalidade, mas esse nexo, especialmente por ser normativo, não é suficiente para a atribuição da responsabilidade pena.
Perceba que, na omissão imprópria, não se tem uma conduta descrita como omissiva, pois a omissão nestes casos é somente a condição sine qua non para que ocorra um fato típico descrito no Código Penal, ou seja, condição sem a qual o resultado previsto não teria ocorrido.
Assim, é importante salientar que o garantidor não responde por ter causado o crime, mas por não impedi-lo, podendo tê-lo feito.
Serão necessários, contudo, a presença de alguns pressupostos, conforme elenca Cezar Bitencourt: a) poder agir; b) evitabilidade do resultado e c) dever de impedir o resultado.
A análise do elemento subjetivo, nos crimes omissivos por omissão, não é feita entre a omissão e o resultado, mas apenas no que concerne à própria omissão, ou seja,”compõe-se o dolo tão-somente do elemento intelectual de consciência da omissão e da capacidade de atuar para impedir o evento” (PRADO, Luiz Régis. Algumas Notas sobre a Omissão Punível apud Revista dos Tribunais, vol. 872, jun./2008. São Paulo: RT, 2008, p. 433)
Deve-se entender o poder de agir como a capacidade que tem o agente de agir com êxito para eliminar o perigo que ronda o bem jurídico, evitando ou tentando evitar a produção do resultado.
Como bem explicitado por Edison Miguel da Silva Junior, para a realização do tipo subjetivo nos crimes omissivos impróprios, além da vontade consciente de abstenção da atividade devida, informada pela posição de garantidor e conhecimento da possibilidade de impedir o resultado, também é necessário o dolo (direto ou eventual), isto é: “o desejo de atingir o resultado através da omissão.” (Fragoso, 1985:246).