21
nov
2025

STF reafirma possibilidade de ANPP na fase recursal

Por João Vitor Moreira Michelin

O Supremo Tribunal Federal reafirmou que o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) pode ser proposto e apreciado em qualquer momento anterior ao trânsito em julgado da ação penal. A decisão, proferida pelo Ministro Dias Toffoli, analisou pedido de réus que solicitaram a suspensão da persecução penal para que o Ministério Público examinasse a possibilidade de celebrar o acordo.

Como se sabe, o processo penal contemporâneo tem incorporado mecanismos negociais para lidar com o volume crescente de investigações e ações penais. O ANPP, aplicável quando houver indícios de infração que não envolva violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, tornou-se instrumento relevante nesse contexto. Em regra, ele é oferecido durante a fase investigativa, antes mesmo da instauração da ação penal.

O caso concreto, porém, evidenciou uma omissão: o Ministério Público do Paraná não se manifestou sobre o cabimento do ANPP nem antes nem depois da sentença condenatória. Diante disso, as defesas, já em fase de apelação, requereram o retorno dos autos ao Ministério Público para análise do acordo, porque o ANPP poderia suspender a persecução penal mesmo após a condenação de primeiro grau.

Levantou-se, então, a controvérsia: até que momento o ANPP pode (ou deve) ser oferecido pelo Ministério Público?

O Ministério Público, já em segundo grau, manifestou-se pelo indeferimento dos pedidos de análise do cabimento do ANPP em sede recursal. O 1° Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também entendeu incabível. Diante dessa negativa, os réus recorreram ao STF.

Já na Suprema Corte, inicialmente, o Ministro Relator Dias Toffoli sequer admitiu o recruso, por não vislumbrar qualquer ofensa a dispositivo da Constituição Federal. Todavia, após agravo e embargos declaratórios, enfrentou o tema do ANPP, que segundo o Ministro, não foi examinado pelas instâncias anteriores.

Foi então que, vislumbrando flagrante ilegalidade nessa omissão, concedeu ordem de habeas corpus de ofício, para que o Ministério Público Federal (MPF), que atua perante o STF, se manifestasse sobre a matéria.

O fundamento adotado na decisão foi o princípio da retroatividade penal benéfica (art. 5º, XL, CF), segundo o qual as normas penais que beneficiem o réu devem ser aplicadas a fatos anteriores à sua promulgação. Por isso, embora os réus tenham praticado o crime antes de 2013, o ANPP, oriundo de Lei de 2019, poderia ser proposto, posto que mais benéfico aos réus.

Mesmo assim, o MPF manifestou-se contrariamente à celebração do acordo, devido à gravidade concreta do crime, o que tornou o ANPP insuficiente para repreender os autores. O Relator acolheu a decisão ministerial, até porque o Poder Judiciário não pode compelir o Ministério Público a oferecer o acordo, dada sua titularidade exclusiva da ação penal (art. 129, I, CF).

O Ministro também referenciou precedente do STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no qual firmaram-se as teses que regulam a propositura do ANPP: o requisito é que esta deve ser realizada antes do trânsito em julgado, independentemente da fase do procedimento (inquisitiva, ação penal, recursos).

A tese indica a qiue a jurisprudência tem entendido o ANPP como direito subjetivo do possível autor do crime. Afinal, a aplicação do princípio da retroatividade penal visa à garantia dos direitos do acusado. Com o ANPP nele considerado, mitigou-se o entendimento de que o ANPP constitui mera faculdade do MP, até porque o Órgão deve agir sob o princípio da objetividade (estrita observância ao artigo 28-A do CPP)

Sem contar que o STF tem aplicado a intenção dos legisladores, quando da promulgação do Pacote Anticrime. Já vimos em artigo anterior que um de seus objetivos é o de “possibilitar soluções consensuais para crimes de menor gravidade, reduzindo o número de processos penais ao mesmo tempo em que propicia maior celeridade à justiça criminal”. Assim, caso o ANPP seja firmado em qualquer fase processual, evitará a interposição de recursos que postergariam ainda mais a aplicação de uma reprimenda penal.

Em síntese, a decisão do STF consolida entendimento essencial para a prática forense: o ANPP deve ser examinado sempre que requerido antes do trânsito em julgado, não importando a fase processual e mesmo que o Ministério Público não o tenha proposto oportunamente. O precedente reforça segurança jurídica, prestigia a retroatividade penal benéfica e amplia a efetividade dos mecanismos consensuais introduzidos pelo Pacote Anticrime.. Em alguns casos, contudo, garantir esse direito exige recorrer às instâncias superiores, razão pela qual a atuação técnica e estratégica da defesa é indispensável para assegurar ao cliente a oportunidade de acesso ao acordo sempre que juridicamente cabível.

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Referências
AgReg 1.562.125

HC nº 185.913/DF

ARE-AgR 1450548, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 7/5/2024

Informativo 1151, julgamento presencial do Pleno em 18/9/2024

https://ocm.adv.br/stj-reconhece-a-possibilidade-de-o-ministerio-publico-propor-anpp-em-acao-penal-privada-apos-inercia-do-querelante/