06
ago
2020

Teoria do domínio do fato e responsabilização penal

Produto de um extenso processo de discussão científica e jurisprudencial, a teoria do domínio do fato revela-se matéria amplamente controvertida, fundamentalmente no que toca às desiguais interpretações sobre os sistemas de autoria e participação, bem como suas respectivas delimitações.

Embora a mencionada teoria tenha alcançado ampla repercussão no sistema brasileiro somente no curso do julgamento da Ação Penal nº 470 pelo Superior Tribunal Federal, ainda que, registra-se, não tenha sido abarcada em nenhum voto escrito, há de se compreender que sua existência antecede em muito o esquema de desvio de dinheiro público, comumente conhecido como Mensalão.

Nesse sentido, essa teoria foi desenvolvida e consolidada em 1960, pelo teórico e jurista alemão Claus Roxin, motivado pela urgência em responsabilizar penalmente aqueles que tivessem ocupado posição de poder no aparato organizacional nazista. Ao mesmo tempo, Cezar Bitencourt[1] nos ensina que, para Roxin, aqueles que ocupassem posição de relevo dentro de uma estrutura organizacional e instruíssem os subordinados a praticarem conduta ilícita, responderiam como autor e não somente como partícipe:

“Na ótica, do então jovem professor alemão, “quem ocupasse uma posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um crime, tem de responder como autor e não só como partícipe”

O domínio do fato, portanto, manifesta-se à medida em que o autor tem o controle final do ato ilícito, não se subordinando à execução pessoal da conduta típica, ou seja, a ação é realizada por intermédio de terceiro, que se restringe a colaborar com atividades subsidiárias e complementares[2].

Ora, e quanto aos líderes de uma organização? Deverão as cúpulas organizacionais responderem pelos crimes praticados por seus integrantes? Ou então, poderão os dirigentes de empresas e ocupantes de relevantes cargos políticos serem punidos única e exclusivamente por ocuparem posições de destaque?

A resposta negativa se impõe! Isto porque é estritamente necessário que ocorra uma valoração concreta e individualizada do fato, não bastando a mera posição hierárquica para provocar a responsabilização penal do agente. Ainda, a teoria do domínio do fato, apenas um dos diversos critérios de distinção entre a autoria e participação, não poderá ser aplicada ao menos que seja construída e apoiada em análise criteriosa e individualizada.

Por fim, acredita-se que a mera autoridade ou ocupação de posição hierarquicamente superior dentro de uma estrutura organizacional não apresenta motivação idônea capaz de ensejar na responsabilização penal, posto que meros indícios e ilação não são suficientes para a responsabilidade, devendo haver, impreterivelmente, a comprovação do dolo ou culpa ou, ainda, do conhecimento inequívoco da atividade ilícita praticada por parte dos subordinados.

[1]Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-nov-18/cezar-bitencourt-teoria-dominio-fato-autoria-colateral#_ftnref16 – Acesso em: 04.08.2020.

[2] PRADO, Luiz Regis, Curso de direito penal brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais Ltda: São Paulo,14ª ed., p. 402.

 

Rebecca Rocha Santos